Irmã

Enquanto olhava pela janela aquela noite fria, de súbito me veio lembrança o passado... aqueles tempos da década de 70 em que minha irmã Laura e eu fomos morar com nosso tio Alfredo, na fazenda dele, depois da morte de nossos pais. Éramos duas crianças travessas sonhando em nunca nos separar como fomos de nossos pais.

Com a guerra fria no auge, a produção de café do meu tio entrou em declínio, e foi aí que as dívidas aumentaram. A ditadura estava em vigência no Brasil, mas eu não tinha noção do quão terrível isso era.

Em uma manhã de junho de 1973 Laura me tirou da cama e disse que havia escutado ruídos no porão, entao descemos as escadas silenciosamente enquanto ela tremia, mas era só um gatinho que eu nunca vira no casarão, e nesse momento ouvimos batidas apressadas que vinham da porta da frente. Meu tio veio até nós e nos disse para nos escondermos lá no porão, não entendi o pânico dele na hora, entendi quando dois homens com roupas militares e de expressão rancorosa estavam atrás de nosso tio - de certo arrombaram a porta- muito armados os dois.

O militar chamado C. Cornélios, conforme dizia seu uniforme, disse a meu tio que aquela era a última chance de ele quitar as dívidas ou ele não a faria nunca mais. Vi pela primeira vez lágrimas no rosto do Sr. Alfredo quando nos encarou e disse: "Não tenho como pagar, Senhor."

Ele, Cornélios nesse momento apontou a arma na nunca por trás de meu tio e atirou. Laura chorava ao ver o corpo do nosso único parente no chão. Morto.

Cornélios agarrou minha irmã pelo braço para levá-la, mas ela gritava e mordia seu pulso, então ele lhe deu um tapa no rosto e eu estava ali, também sendo levado, vendo minha irmã de nove anos apanhar, vendo-a ir embora.

Fui levado pra uma escola militar, mas fugi e vive nas ruas me escondendo da militância enquanto não sabia se minha querida irmã ainda estava viva...

Dez anos depois, quando enfim houve a queda da ditadura, eu tinha 19 anos, fui a procura de minha irmã, mas encontrei um cadáver chamado Laura Figueiredo, era ela. Eu, Eduardo, seu irmão mais velho, o que havia prometido que nunca ia separar-se dela, a havia perdido pra sempre.

Morri desde então.

Izandra Varela
Enviado por Izandra Varela em 25/05/2016
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