Conversa sobre sombra.
Segui na rua, com o vento meio frio, porque ainda era muito cedo. A cidade estava harmoniosa e eu estava indo para casa, salvar o sono do dia anterior.
Acordei rápido, saí ao meio-dia. O sol forte, disparado, todo ingrato, causando mal-humor. Mesmo na pressa, passei com delicadeza, enquanto caminhava, as mãos nas paredes, nas grades, nas flores, nos verdes. Avistei a sombra e reparei nela, ao mesmo tempo em que ria, com a trave da boca, daquele cesto de caminhar que nem criança, passando a mão em tudo, assim, muito nova, olhando para baixo, ou olhando para o que estava pegando.
As sombras, com suas chegadas tão agradáveis, aparecem como uma novidade. Elas talvez sejam legais, quem sabe se possa ter um diálogo com elas qualquer dia desses? Mas, mais do que isso, elas nos protegem do sol imponente que as manhãs iluminadas de Fortaleza têm. As sombras, amáveis, são pura salvação quando, por exemplo, batem naquela parada de ônibus, à tarde, em uma ida ao médico causada por dor forte em qualquer lugar.
Precisa-se tirar da cabeça que a sombra possui Dono. "Ah, vamo lá pra sombra daquela árvore", ou "Olha, que sombra engraçada aquele prédio Dá". Não, a sombra é dela mesma, entende? Reconheça sua semelhança com as formas, com a nossa forma, sempre nos seguindo, muitas vezes sendo uma companhia que te causa aflição quando aparece em uma rua esquisita, denunciando o passo rápido e tenso. Essa sombra, que parece com você, no chão e na parede, ao mesmo tempo, também não é sua. Se fosse, não causaria emoções tão íntimas, não te traria algumas leves e inesperadas reflexões. Talvez ela possa ser, quem sabe, uma extensão de você mesmo, tal como o mundo inteiro pode ser, tal como a pessoa que você ama.
Mas, mas, mas, mas [...] qual o objetivo de falar tanto da sombra? Estava passando e vi. E sabe?
Nada melhor do que (re)significar as coisas prosaicas (ou não) do nosso mais ordinário cotidiano.