Fios entrelaçados
Serão os acontecimentos de nossas vidas um conjunto de fios entrelaçados? Estariam as coisas prescritas? Faço-me estas perguntas depois de alguns fatos ocorridos há um certo tempo relacionados a um livro que eu comprei e a um menino que mora na minha rua.
Este menino que vive na minha rua, Artur*, tem uns 6 a 8 anos e é autista. Umas poucas vezes, ele veio à minha casa brincar com meu coelho e eu notei que ele não olha nos olhos das pessoas nem responde quando falam com ele, além de gostar de ver coisas girando, entrar nas casas das pessoas e gritar e pular muito. Numas das vezes em que ele esteve em casa, eu, que estava com o coelho no colo, aproximei-me dele e disse:
-Oi, Artur. Quer pegar no coelho?
Como resposta, ele apenas segurou meus dedos com força e eu achei melhor entrar em casa, com medo de deixar o coelho cair.
Minha mãe, conhecedora da condição do menino, pois o médico dela tem uma sobrinha que é psicopedagoga que atende crianças autistas e viu que Artur é atendido por ela, há tempos sentia vontade de que eles lessem o livro O que me faz pular, de Naoki Higashida, jovem japonês autista, sobre o qual eu própria escrevi uma resenha no Recanto das Letras, mas se lamentava por não termos intimidade com a família nem parecer surgir uma chance dela passar o livro.
A oportunidade surgiu numa manhã de domingo, quando mãe e eu fomos reforçar a tela do portão, já que o coelho tinha dado uma escapada bem cedo e eu o resgatara por pouco. Ao mesmo tempo, o pai de Artur estava podando a árvore e ele pulando na calçada. Acenei para o homem, que respondeu, e o menino veio pulando na nossa direção. Eu disse a mãe:
-Olha, mãe. Ele está vindo.
Mãe o chamou e o menino veio, embora o pai pedisse para ele voltar. Artur entrou no jardim e logo em casa e eu fui atrás dele, ouvindo mãe falar com o pai dele sobre um livro "escrito por um menino japonês", adivinhando logo que ela falava sobre O que me faz pular e temendo que o homem não gostasse dela tocar no assunto.
Artur explorou a sala, cozinha e o quarto dos meus pais e, quando voltamos ao jardim, mãe ainda conversava com o pai dele, chegando a mencionar Temple Grandim, assunto sobre o qual ele mostrou conhecimento, falando que ela, também autista, defende o abate do gado de forma humanizada. Mãe me pediu que fosse buscar o livro e eu ainda perguntei se Artur gostava de ler, o que ele falou que sim. Então, junto com O que me faz pular, peguei um exemplar do meu livro A princesa e o dragão prateado. No final, quando ele se despediu, mãe falou que ele não precisava devolver o livro e ele agradeceu imensamente.
Não fiz objeção, já que o livro será mais útil para os familiares de Artur, ajudando-os a entender melhor a condição do menino. Agora, eu me pergunto se o livro não tinha de certa forma que ir para as mãos deles e eu não fui o instrumento para que isto acontecesse. Se tinha que ir, todos estes fatos estavam entrelaçados.
*Artur é um nome fictício.