Raimunda, feia de cara e boa de ...Nada.
A NOTÍCIA
Infelizes, mulheres buscam a Justiça para mudar o nome Raimunda
Folha de São Paulo, 11/10/2015
O IMAGINÁRIO
Raimunda andava triste. Aliás, ela andava triste desde há muitos anos. Agora, no entanto, chegara ao limite do suportável, não conseguia mais absorver as frustrações. Viu-se aniquilada pelo desgosto profundo. A raiva de tudo e de todos, a tanto tempo reprimida, iria explodir a qualquer momento. Estava às portas de uma depressão profunda.
A sua válvula de escape eram as lágrimas, que passaram a ser diárias.
O seu infortúnio fazia-a uma pessoa solitária, taciturna, de poucos amigos. Em todos os ambientes que frequentava a tristeza era dominante: no trabalho, na faculdade, na igreja, com os familiares, vizinhos, nos raros momentos em que saia para se divertir, onde estivesse, não encontrava prazer. Até mesmo no ônibus ou andando pelas ruas não acontecia nada que pudesse levantar o seu astral.
Próximo a sua residência iniciou-se uma grande obra, com muitos operários. Nem mesmo estes lhe proporcionavam um pouco de alegria. Pelo contrário, quando ela passava por lá, eles pareciam se concentrar mais ao trabalho. Nem sequer um virar de cabeça, um comentário malicioso, ou ao menos uma piada de mau gosto.
Nada. Era uma indiferença massacrante. O mundo parecia não aceitá-la. Chegou ao ponto de pensar em suicídio. Confidenciou isso a Josenilda, sua única amiga, que era muito parecida com ela.
- Raimunda, você precisa de ajuda. Vai ter que procurar um psicólogo. – Sugeriu a amiga
Um psicólogo? Sim, era isso mesmo que precisava. Marcou a consulta. Não com um psicólogo, mas com uma psicóloga. Sendo mulher entenderia melhor os seus problemas puramente femininos, pensou.
A psicóloga, de posse da ficha da paciente, de antemão imaginou um possível diagnóstico: era o nome da infeliz. Nos últimos dias atendera muitas mulheres se sentindo infelizes por ostentar o nome de Raimunda. Quando viu a paciente, porém, desfez o pensamento inicial sobre a situação: talvez o nome fosse o menor dos problemas.
- Então, Raimunda. Conte-me tudo o que está acontecendo.
-Bem, Dra., é que.....é que...
Vacilou, baixou o olhar de sofrimento e se desmanchou em lágrimas. A profissional, compraz, respeitou esse momento. Já estava acostumada com aquilo: algumas pessoas precisavam do alívio das lágrimas para então expor as dores da alma.
Instantes depois a paciente se recompôs. Sacou da bolsa o lenço, limpou as lágrimas que escorriam pelo rosto, respirou fundo e iniciou a sua narrativa. Falou tudo o que precisava falar, abriu-se completamente. Algumas pausas para controlar a súbita emoção, e prosseguia, corajosamente.
-E é isso Dra. Não sei o que fazer da minha vida! – Concluiu.
A psicóloga rapidamente chegou à raiz do problema. Viu que ali pouca coisa ela poderia fazer. Só havia uma solução.
- Olha, sei quem pode te ajudar melhor que eu - abriu a gaveta, tirou de lá um cartão e passou à Raimunda. – Procure essa pessoa. Você vai ter de gastar um pouco, mas ela vai resolver o seu problema.
Raimunda saiu do consultório com certo ânimo, disposta a seguir a recomendação urgentemente. Disporia da quantia que fosse necessário. Isso não seria problema, tinha no banco uma boa economia.
Mal chegou em casa telefonou para o número escrito no cartão. Por sorte conseguiu para o dia seguinte uma consulta.
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Trinta dias depois, período em que esteve de absoluto repouso, por recomendação, Raimunda, completamente nua, desafiava o seu maior inimigo até então: o espelho. Radiante, numa alegria incontida, contemplava-se incansavelmente. Virava para um lado, virava para o outro, fazia poses que antes nunca tivera o prazer de fazer. O resultado fora melhor que o esperado. Não fora resolvido de todo o seu problema, mas sanara a parte que mais lhe doía.
Completamente restabelecida, finalmente poderia retomar a sua rotina. Naquele dia retornaria ao trabalho. Mal continha a euforia de poder sair a rua e ver o resultado tão esperado. O primeiro teste ia ser na obra perto de sua residência. Ali seria o termômetro de sua transformação. Caprichou na roupa: vestiu aquela calça jeans apertada que há muito tempo perdera a coragem de usar.
Ganhou a rua. Caminhava empertigada, altiva, cheia de si. Aproximava-se da obra, no momento crucial em que os operários se preparavam para iniciar o serviço, desta forma todos poderiam vê-la. O coração batia forte. Já podia notar os olhares dos peões voltados para si, em princípio surpresos, depois, com sorrisinhos canalhas. Logo ouviu um assobio, outros, e alguns gritos.
- Aí, Raimunda...Tá gostosa, hein?! - Um grito anônimo. Era a redenção. Que babassem, os malditos.
Tomou o ônibus. Fez questão de permanecer de pé, mesmo havendo lugares para se sentar. Queria esfregar na cara de todos o seu material. E o efeito foi o esperado. Até o motorista lançava-lhe olhares pelo retrovisor. Experimentou a sensação nunca antes vivida, de reter a atenção masculina. Exultava-se, mas ainda não era a glória. A redenção final seria no trabalho.
No portão da fábrica já se formava o burburinho. Todos olhavam para ela, alguns comedidos, outros, mais atrevidos, despiam-na com os olhos. Seguiu altiva pelos corredores, ouvindo atrás de si os comentários que eram aos seus ouvidos verdadeiros louvores celestiais.
- Hum, olha só a Raimunda!
- Caramba, mano! Que material!
Até que, finalmente, ouviu o que esperara por longos anos.
- Aí, sim, Raimunda! Com a mesma cara. Mas tu tá boa de bunda!
Ah, quanta alegria! 250 ml de silicone em cada glúteo devolvera-lhe a vida.