Novembro Azul

A NOTÍCIA

Cadela que seria sacrificada aprende a diagnosticar câncer de próstata na USP – Folha de São Paulo, 15/11/2014.

O IMAGINÁRIO

Ricardo era o machão das redondezas. Daqueles de pegar touro a unha, domar pit bull pelas orelhas. Não tomava mel, comia as abelhas, gabava-se. Já próximo dos cinquenta anos de idade, ainda era temido na vizinhança e respeitado entre os amigos, pela sua virilidade e disposição.

Certo dia, no bar, numa conversa entre amigos, todos mais ou menos da mesma idade, o papo rolou sobre o exame da próstata. Entre chacotas e gozações, todos acabaram revelando que já haviam se submetido ao exame do toque retal. Menos o Ricardo, que permanecia calado e carrancudo. Todos olhavam para ele, porém, sabendo da brabeza do homem, ninguém tinha coragem de perguntar se também tinha feito o exame.

- Comigo não tem isso, não! Não sou homem de levar dedada! Se for pra morrer disso, que venha! – Declarou logo, antes que um desavisado o questionasse.

- Eu penso que, mais vale um viadão vivo que um machão morto de câncer. – Gracejou um dos amigos, fazendo com que os demais caíssem na gargalhada. Menos o Ricardo.

- Eu já disse que, comigo, não! Prefiro morrer! – Encerrou o assunto, com um potente murro na mesa.

O problema era que, nos últimos dias ele vinha sentindo umas dores estranhas e uma certa dificuldade para urinar. Não revelava isso a ninguém, permaneceu em silêncio o quanto pode. Mas as dores aumentavam, já haviam se estendido, inclusive, para várias partes do corpo. E a dificuldade em urinar tornara-se mais aguda, também. Não tinha a mesma disposição para o trabalho ou para o futebol, que ainda praticava aos fins de semana.

Apesar de sempre se recusar a tocar no assunto, ele já ouvira falar que aquilo poderia ser sintomas de problemas na próstata.

Não suportando mais, revelou à esposa o que se passava, e esta, imediatamente sentenciou:

- Você sabe o que isso pode ser, né? – e cruelmente acusou:

- Pois é, não adianta falar pra você que precisa fazer o exame!

Sentiu calafrios. Estava numa encruzilhada, e tinha que sair dela. Nunca ia ao médico para nada. Mas, agora, não via outra saída. O problema persistia e o incômodo era cada vez maior.

- Marca uma consulta pra mim. – Pediu à esposa, decidido.

Aqueles foram os piores dias de sua vida, enquanto aguardava a visita ao médico. Os nervos estavam à flor da pele. Não dormia direito, de tanta ansiedade. Os suores noturnos empapavam os lençóis . O medo maior não era do possível diagnóstico, mas do exame em si. Ouvia, de pé de orelha, alguns amigos contarem os detalhes do exame. Arrepiava-se de terror só de imaginar que teria de passar por aquilo.

Chegou o grande dia. Num esforço descomunal para disfarçar o nervosismo intenso, Ricardo aguardava na sala de espera. Passou por ali um sujeito inteiramente de branco, inclusive o calçado. Claro, só podia ser o médico. Instintivamente ele olhou para as mãos do homem: sentiu-se aliviado, eram dedos normais, não aqueles dedões que o apavoraram nas últimas noites, em pesadelos horríveis.

Até que a enfermeira veio à porta e chamou o seu nome. Como quem vai para um matadouro, entrou no consultório. Notou algo estranho ali: preso a uma jaula numa sala ao lado havia um enorme cachorro. Será que era para não deixar os pacientes saírem correndo antes do exame!? – Pensou, aflito.

- Fique tranquilo, Sr. Ricardo. – Foi logo explicando o médico, notando o terror do paciente – estamos iniciando um novo método de diagnosticar: O Sr. Será um dos primeiros nesta nova modalidade.

- Agora o examinador é ele – Completou o Dr., apontando para o cachorro.

- O cachorro!? Como assim?

- Sim, o cachorro. Ele vai detectar, com o cheiro, a existência da doença ou não.

Antes de o médico concluir as explicações a cerca do novo método, Ricardo tirou as suas conclusões. Ficou estupefato, uma onda de indignação quase fez com que proferisse palavrões. Era muita humilhação para um homem, ser submetido àquele tipo de exame por um cachorro.

Mas um raciocínio lógico o fez restabelecer a calma e sentir-se mais aliviado: na atual circunstância, uma cheirada é o que de melhor poderia lhe acontecer.