Festa caipira (fato real)

Edgard e Paola voltavam da aula empolgados, com seus convites à mão.

No sábado seguinte, pela manhã, haveria uma grande festa caipira, na rua, defronte à escola que frequentavam. Paola, aos cinco, e Edgard, aos seis anos, ansiavam pela participação, devidamente caracterizados. Como sempre fora nosso hábito, participaríamos daquele evento, prestigiando e promovendo a necessária integração lar-escola.

Alguns metros de tecidos e chapéus de palha, comprados, somaram-se a algumas peças de roupas velhas, compondo a indumentária desejada. Com a ajuda de carvão e objetos de maquiagem, aqueles rostinhos inocentes tomavam ares de humildes caboclos, prontos para um arrasta-pé. Dividimos a tarefa. Eliane se esmerava sobre a Paola, enquanto eu tentava dar vida a mais um caipira. Não faltara bigode, costeleta e dente quebrado!

Nosso casal de capiaus estava, realmente, em estado de graça. Nossos filhos sempre foram, naturalmente, muito bonitos. Paola, muito loira, risonha e saltitante, produzida, com seus cabelos compridos escapando do chapéu enfeitado, de sinhá moça, contrastava com a tez morena e ar compenetrado de um Edgard, um pouco mais alto. Formavam um par perfeito!

Eu, Eliane, os caipiras e Adriana caminhamos alguns quarteirões até nosso destino. A festa já corria animada, com grande afluxo de pessoas. Risos e expressões de espanto e admiração recepcionavam nossos pequenos matutos. O mesmo fazíamos em relação a outros colegas e conhecidos. Brincadeiras não faltavam. O ambiente não poderia ser mais descontraído.

Das barracas de quentão, cachorro quente, pipoca, refrigerantes, rifas, argolas e de outras, típicas do evento, ouviam-se vozes altas, agitadas, clamando pela presença e participação de todos. Anunciavam prêmios e promoções. O barulho da grande roda de pregos da rifa, girando e refluindo, aos poucos, encerrava, sempre, com os gritos de satisfação de mais um ganhador.

A apresentação da quadrilha, em que nossos pequenos participaram, fora um sucesso. O casamento muito engraçado. A cena do corre-corre do pai da noiva, devidamente armado, à cata de um noivo, enfiado entre os presentes, fora impagável.

Em intervalo de apresentações, entre um pequeno lanche e outro, fazíamos algumas tentativas nas bancas de sorte. Para nossa surpresa, e decepção alheia, fôramos contemplados com alguns dos melhores prêmios, ávida e demoradamente, aguardados por muitos. Não tardariam a surgir as primeiras expressões jocosas, a respeito de nossa sorte.

O alto-falante anunciava o início do processo de escolha da sinhazinha e do caipira melhor caracterizados. Os concorrentes ostentavam um pequeno crachá de papelão, com seu número identificador. A escolha seria feita por uma comissão de professores que percorreriam todo o ambiente, analisando trajes e posturas dos concorrentes. Ao final, em reunião e, se possível, por consenso, indicariam os vencedores.

Continuávamos nosso périplo de venturas nas roletas, dados e rifas, aumentando ainda mais a, nesta altura, contrariedade de nossos novos amigos, enquanto aguardávamos o anúncio final dos caipiras vencedores. Nossa sorte chegava a ser constrangedora. Aproximamo-nos da barraca de argolas, onde o prêmio mais valioso era uma grande escultura de gesso, da Virgem Maria, muito bonita, com detalhes em alto relevo e fina decoração. Cada prêmio oferecido tinha, à frente, um pequeno quadrado de madeira. Para conquistá-lo, o pretendente teria que envolver totalmente o quadrado com a argola, lançada dos balcões laterais da banca.

Para valorizar a conquista da santa, preciosa, os gestores da barraca haviam colocado à sua frente uma peça quadrada de madeira maior que as demais. Parecia tarefa impossível, oportuna para gerar recursos da barraca até o final da festa. Após algumas tentativas frustradas, Adriana joga sua argola e o impossível acontece! Tínhamos que segurar o riso que, a esta altura, mais pareceria provocação! Com ares contidos e dissimulados, de quem nada fizera de anormal, apanhamos a escultura, acomodamos em uma sacola e nos retiramos do local, sob lamentos generalizados. Mas Adriana vibrava como ninguém!

Era chegado o grande momento! O anúncio da melhor caracterização feminina já estava nas mãos da comunicadora, que fazia mistérios e sensacionalismos, atiçando os nervos de tantas concorrentes. Finalmente declinara o nome. Era ela mesmo! Paola! Aclamada e solicitada sua presença, sobe o pequeno palco improvisado para receber os aplausos e seu prêmio. Estava surpresa mas radiante, aguardando o vencedor masculino do prêmio.

-“Ele é meu irmão! Ele é meu irmão!”

Novo suspense e o nome do vencedor é anunciado! Quem? Ele! Sim, Edgard também era chamado ao tablado, sob aplausos e algumas poucas vaias, que cresceriam em número quando Paola, às gargalhadas, identificava o novo premiado. Os organizadores do concurso, surpresos, tentavam, inutilmente, assegurar sua isenção na escolha. Na verdade, Edgard e Paola eram novatos na escola e muitos ainda não os conheciam.

Estávamos lívidos mas incomodados. Sentíamo-nos como usurpadores do bem de todos. Envergonhados por algo que não fizemos. Até que os microfones anunciaram o grande prêmio da rifa do dia, um enorme perú assado.

Antes que o dia terminasse mal, conclamei Eliane para nos retirarmos, sem participar da tal rifa.

- “Eliane vamos embora, ou acabamos ganhando esse perú!”