VOCÊ SABE COM QUEM ESTÁ FALANDO?

Em época de recessão, mudança de governo, crise econômica etc., resolvi economizar e, ao invés de comprar uma nova bota, preferi levar duas delas para um check up (um par preto e outro marrom) no sapateiro: elas, aparentemente, são novas, mas é melhor não revelar a idade e, além disso, por serem clássicas, de couro, jamais saem de moda, então, estou no lucro.

O sapateiro me explicou que as minhas botas são de excelente qualidade e por isso vale apena investir em alguns cuidados para mantê-las: troca do solado e uma hidratação no couro. Interessante e... econômico.

Hoje, data marcada para ir buscar as minhas botas, havia na sapataria duas pessoas na minha frente: um jovem que já estava praticamente de saída e uma jovem senhora com cara de “poucos amigos”. Expressei um leve sorriso como cumprimento, o qual não foi correspondido, ou melhor, foi totalmente ignorado.

O jovem sapateiro, muito educado e solícito, proferiu um sorridente “Pois não!”.

Ela, no entanto, secamente respondeu: “Vim buscar alguns sapatos meus...”.

O sapateiro, educadamente perguntou: “Está no nome de quem?”

Com um semblante inquisidor ela respondeu: “Ora, no meu...” – e virou-se, ajeitando os cabelos.

O rapaz, já meio sem graça, parecia de fato não conhecê-la e dirigiu-se a ela novamente: “Sim... me desculpe, mas... qual o nome?”

Tive a impressão que o rosto da mulher ficou vermelho. Seus olhos, se fossem lanças, certamente teriam perfurado os olhos do rapaz. A frase “Você sabe com quem está falando?” ficou implícita nesse momento e, com um ar de indignação pelo fato do sapateiro não reconhecê-la e como se o mesmo tivesse essa obrigação, a senhora respondeu: Claudia, DOU-TO-RA CLAUDIA...

O sapateiro abaixou os olhos e foi em direção a uma prateleira que se encontrava ao fundo da sapataria. Notoriamente estava um pouco tenso, mas tentou disfarçar. Alguns minutos se passaram até que o jovem conseguisse encontrar a sacola com os sapatos.

“Pronto!” – disse ele – “Aqui estão. Espero que tenham ficado do seu agrado”.

A mulher ignorou o comentário do jovem. Havia três pares de sapatos na sacola e ela fez questão de retirar um a um e conferir o serviço. Um deles, ela chegou a por no chão e experimentar.

O sapateiro tentou novamente explicar o que havia feito com os sapatos e que garantia o serviço, frisando que, qualquer problema, ela poderia retornar.

Mais uma vez, em vão. Ela pegou a carteira e apenas perguntou: “Quanto é?”

Ele respondeu: “Cinquenta reais, dona Cláudia”

Mais uma vez ela fulminou-o com os olhos e respondeu: “DOU-TO-RA Cláudia...”, balançando a cabeça em sinal de desaprovação. "Você tem troco para cem?".

O rapaz, já bastante sem graça respondeu: “... me desculpe, “doutora” Cláudia... tenho troco sim”.

A “doutora” saiu da sapataria sem nem ao menos dizer “obrigada”... “boa tarde”!

Ainda visivelmente desconcertado, o sapateiro dirigiu-se a mim: “pois não!”

Entreguei-lhe o ticket que já constava que o serviço havia sido pago e disse: “Vim buscar dois pares de botas...”

“Sim, estão prontas...”. Respondeu-me, educadamente. Tirou as botas da sacola e explicou-me o trabalho que havia sido realizado. Elogiei muito e disse que as botas estavam perfeitas, praticamente novas e que talvez poucas pessoas notassem que não pertencem às novas coleções. Dei um breve sorriso, o qual foi retribuído. Peguei as botas, fiz novamente um aceno de agradecimento e saí da sapataria com um sincero “Volte Sempre” do educado sapateiro!

Meu marido estava no carro a minha espera. Contei para ele o fato e o quanto estava irritada com a forma grosseira que a tal senhora havia tratado o sapateiro. Fiquei por algum tempo me questionando: o que leva algumas pessoas a acharem que podem menosprezar as outras? O que leva algumas pessoas a pensarem que são superiores às outras? Que poderes um “Dr” na frente do nome de alguém tem para garantir o diretiro de “pisar” nos outros?

Nesse momento pensei em uma frase que li em algum lugar e da qual não me recordo a autoria: “Há pessoas que são tão pobres, mas tão pobres, que só têm dinheiro”.

Suspirei, dei de ombros e senti que, infelizmente, quanto a isso nada (ou quase nada) poderia ser feito: falta Educação. A mim, só me restou escrever essa crônica para exorcizar a minha indignação.

Silvana Moreli
Enviado por Silvana Moreli em 21/05/2016
Reeditado em 21/05/2016
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