Amor gramaticalmente correto
Engraçado são os adolescentes, necessitam muito pouco para declarar a uma paixão um amor eterno e menos ainda para por fim ao infindável.
A verdade é que, ainda que imprevisível, talvez imaturo, poucas coisas são tão fofas quanto um jovem casal de namorados e quase nada é tão sincero quanto suas declarações de poucas palavras, mesmo que eles não tenham a menor ideia do que estão falando.
Ainda assim, como é duro estar mortalmente e irremediavelmente apaixonado aos 15 ou 16 anos. Só eles sabem, só eles entendem, porque nós, mesmo já tendo passado por essa idade, tendemos a esquecer as agruras da adolescência quando recebemos nossa carteirinha de adultos.
_ Te amo...
- Huuum...
- “Hum” o quê, Maria Eduarda?
- Você sabe, Carlinhos.
- Não sei, não.
- Tá errado!
- O quê? Não tá errado nada, eu amo mesmo você, Dudinha!
- Aí, agora tá certo!
- Agora tá certo? E por que antes não tava, Duda?
- Você sabe, Carlinho... Meu professor de gramática disse que não pode começar frase com pronome oblíquo. Então “te amo” está, pela gramática, errado.
* * *
Estavam juntos há pouco tempo, semanas, na verdade. Ela com 15, ele com 16, estudavam em turmas diferentes da mesma escola e se conheceram na feira de ciências. A turma dela fez um estudo sobre alimentos transgênicos, a dele construiu um vulcão que, ao invés de lava, expelia chocolate derretido.
Maria Eduarda, louca que era por chocolate, passou no estande do 2º ano e gostou do menino meio alto, meio magro, meio moreno que ria sem parar da sujeira que o vulcão fora de controle fazia.
Uma amiga em comum foi quem fez a troca de telefones. “Minha amiga queria saber...”. Marcaram um cinema, uma matinê para não ultrapassarem a hora de chegar em casa, e poucos dias depois estavam namorando. Os milagres que o chocolate faz...
* * *
- É que... Bem, eu só não esperava que a primeira vez que te dissesse um “eu te amo”, eu ia receber era uma aula de gramática em resposta.
- É que você é ruim de gramática, Carlinhos, mas gramática é tão bonita.
- Nem gosto tanto.
- Por isso quer ser engenheiro, pra fugir da gramática.
- Matemática eu gosto, acho mais interessante.
- Nunca vi alguém pra achar que matemática é mais interessante que gramática! Só faltava mesmo essa...
- Tá bom, tá bom. A gente não precisa brigar por causa disso.
Silêncio. A Maria Eduarda, que já ia se exaltando, ficou vermelha, olhando para os próprios tênis. O Carlinhos afastou um pouco e encostou no muro da escola.
- Mas, afinal, você pelo menos me ama também?
- Eu não sei...
- Não sabe se me ama? Gritou o Carlinhos, desesperado.
- Não sei se a gente ama alguém ou a alguém. O professor ainda não chegou nessa parte.