“JOVEM DE VINTE E TRES ANOS É ENCONTRADA MORTA”
Li a seguinte manchete: "Jovem de vinte e três anos é encontrada morta"
A matéria jornalista, fria e informativa, como deve ser, sem atribuir juízo de valores ou mesmo influenciar a opinião do leitor, ouvinte ou telespectador chamou minha atenção.
Comecei a pensar que esta garota deveria ter uma história e se não tivesse eu lhe daria uma, estava decida.
Maria Rita, assim como seu irmão, nasceu no morro, cidade do Rio de Janeiro. Cercados pela violência, mas protegidos pelos pais. Senhor André de Souza, era paulistano. Aos quinze anos veio com a família para a Cidade Maravilhosa. Acreditavam que poderiam progredir. A família paulistana, depois de uma crise de desemprego, se viu morando em uma favela. Morro Santa Tereza. Prometeram proteger-se, estudar, trabalhar, permanecerem juntos sempre, acontecesse o que acontecesse. As promessas não foram cumpridas. Cada um seguiu por um caminho.
André não fez diferente. Saiu de casa aos vinte anos e não voltou mais. Rocinha foi o destino. Quando André conheceu Margot, teve a certeza de ter encontrado a mulher de sua vida. Após o casamento, senhor André, como ficou conhecido pela vizinhança, montou um pequeno comércio. Trabalhava dia e noite para que a esposa tivesse conforto. Margot, cada dia, mais apaixonada. Até que o primeiro incidente acontece.
“A família foi vítima de um assalto. Um assalto violento.” André e Margot, ficaram apavorados. Sempre viam o crime da porta de casa, mas até então, nunca daquela forma... após saírem do hospital, André fecha o comércio, de patrão, passa à empregado. O padrão de vida cai, mas existe segurança. Margot engravida e nasce Pedro Paulo. Menino saudável, bonito, inteligente. A alegria do casal. A violência no morro, não diminui. A preocupação do pai e principalmente da mãe só cresce.
Cinco anos depois, nasce Maria Rita, frágil, delicada. Pedro sente a obrigação de cuidar da irmã. As despesas aumentam, o salário não melhora. Margot se vê obrigada a trabalhar. Certa tarde, quando o casal retorna para casa, encontra os filhos debaixo da cama. O medo dominou Pedro. Um tiroteio na rua, fez com que o garoto buscasse proteção para ele e a irmã. Ele tremia tanto... havia marcas de tiros por toda casa. Naquele momento, os pais sabiam o que fazer.
“Vamos embora!” – decisão tomada. Precisavam proteger os filhos.
Procuraram uma cidade do interior do estado de Rondônia. A cidade escolhida foi Vilhena. Cidade pequena, aconchegante, ordeira, lugar de pessoas com princípios. Traduzindo: lugar perfeito para se criar os filhos e constituir família.
Maria Rita tinha dois anos quando a mudança aconteceu, seu irmão, seu único irmão, tinha sete. Um irmão protetor, cuidador, amigo, companheiro, conselheiro, “boa gente, como os mais chegados dizem”. Até o momento a vida de Maria Rita era perfeita, maravilhosa.
Maria Rita começou a frequentar a escola. Boa aluna ...
Maria Rita, aos doze anos, se apaixonou pela primeira vez. O garoto por quem Maria Rita nutria os mais novos sentimentos, não era alguém exemplar. Era de caráter duvidoso ,,, pior, dependente de drogas.
O namoro fluía, sempre às escondidas, mas fluía. Maria Rita transformou-se. Deixou de ser aquela jovem criança amada pela família e se tornou uma adolescente rebelde. A família, muito preocupada, procura orientá-la, sabem que ela precisa perceber o risco que corre. Pedro, preocupado com o destino da irmã, tenta, em vão. ... A única coisa que a mãe fazia era chorar. E tanto sofrimento fez com que chegasse a depressão. Maria Rita, em momento algum se preocupou com a saúde da mãe. “que se dane, vive fazendo chantagem, tudo fingimento – coisa de mãe dramática”.
Com tantos problemas e brigas na família do senhor André, uma coisa boa aconteceu. Pedro se apaixonou. O nome da felizarda? Helena. Aluna nova da escola. Bonita, simpática, um doce. Amor à primeira vista. Pedro e Helena passaram a planejar tudo junto. Pensavam no futuro. Queriam estudar, se casar, constituírem família. Tanta felicidade incomodava Maria Rita. Para ela, o irmão já não existia e “ – como ele podia gostar tanto daquela ‘coisinha’ “ – não importava, Pedro era o filho preferido pois conseguia trazer um pouco de paz e alegria para aquela casa.
Pedro e Helena se casaram. Mudaram de cidade. Precisavam cuidar das próprias vidas. Precisavam continuar estudando, trabalhando, vivendo.
Com a partida do irmão, os pais de Maria Rita acreditaram que ela poderia voltar a ser o que era, mas não foi o que aconteceu. Maria Rita começou a usar drogas e culpava a família por isso, dizia que tinha sido “abandonada por todos”. O sofrimento só aumentava e o coração de Margot não aguentou. Maria Rita parecia não sentir a morte da mãe.
Durante o velório, Maria Rita chega próximo ao caixão, com tanta indiferença que a presença dela e de seus ‘amigos’, incomodou os verdadeiros amigos da família. Maria Rita não se importou. Olhou para o irmão, para o pai, para a cunhada e disse que agora a mãe estava feliz, não teria que fingir mais para chamar a atenção de ninguém. Pedro, pediu para que Maria Rita fosse embora e ela foi.
À noite, enquanto Maria Rita cuidava de uma ‘boca de fumo’, um rapaz pediu drogas e ela disse não. Só entregaria após o pagamento de toda dívida. Maria Rita foi golpeada diversas vezes. A polícia e o SAMU foram acionados e conseguiram salvar a vida dela. O pai, o irmão e a cunhada, cuidaram de Maria Rita.
Alguns dias depois, Pedro e Helena retomam suas vidas e o senhor André, acredita na recuperação total da filha. Tenta convencê-la a se internar em uma clínica e não obtém sucesso. Maria Rita retorna para o mundo do crime. Com idas e vindas na delegacia, Maria Rita é conhecida pela polícia que sabe exatamente do que ela é capaz, mesmo sendo ‘ainda’ menor de idade.
Quando completou dezoito anos, recebeu como presente dos traficantes, o corpo de uma adolescente que de acordo com os mesmos, poderia causar problemas para os negócios. Foi a maior prova de ‘amor’ que ela recebeu. Muita bebida, drogas, tiros. ... nem a polícia conseguiu aproximar-se da favela. O pai de Maria Rita foi. Levou para a filha um buquê de rosas brancas, queria que a filha tivesse paz.
Maria Rita sofreu mais um golpe. O irmão e a cunhada morrem em um acidente de carro nas estradas de Mato Grosso. Ela volta para casa e faz companhia ao pai por alguns dias. Depois disso, Maria Rita é avisada que o melhor que tem a fazer, pelo bem do próprio pai, é sair dali, voltar para os seus, pois do contrário, não teriam como protege-la. Maria Rita é vítima de outra tentativa de homicídio. Quem cuida dela? O pai. Ela reconhece o sacrifício do pai? Em hipótese alguma. Recupera-se e retorna ao crime buscando vingança pelo atentado. A vingança acontece rápida. A polícia sabe. Todos sabem, ninguém faz nada.
Ontem, o corpo de Maria Rita foi encontrado em uma vala. Vinte e três facadas. Uma facada para cada ano de vida. O pai sofre, sofre muito ao reconhecer o corpo da filha e ao mesmo tempo, sente-se aliviado. Maria Rita morta, a esposa, Pedro, todos se foram e André, ou melhor o senhor André, vai embora, deixando para trás agonia, tristeza, raiva, desgosto, desilusão. Tudo o que tinha de melhor na vida, estava morto. André estava morto, não tinha mais motivos para sorrir.