Assim ou ...nem tanto 46
A Fé
Somos muito daquilo em que acreditamos. Para ter sorte não posso pisar nenhum dos riscos nos quadrados de cimento. Vou passar no exame se esta pedra cair dentro do balde ou a Maria ama-me se conseguir acertar na folha menor daquele ramo. Há variantes destes jogos mentais, destas crendices, mas todas as crianças e muitos adultos acreditam na resposta obtida por este processo. Quem dá a resposta? Aquele que, no nosso entender, mais poder tem. De Deus ao Papa, de Santo António à Senhora de Fátima, da namorada ao patrão. Crescemos assim, mirramos assim. À falta de fé no Deus único usamos o falso poder dos ídolos, falamos com eles, passeamo-los em procissões. A Nossa Senhora é também deusa e as velas já nem se acendem e são chamadas a arder num fogaréu tremendo que lembra muito mais Dante. Importa que os simples se comovam, se roam os joelhos no arrastar da promessa nas lajes, que os pés se arrebentem na caminhada e que o terço acabe como uma toada automática que liberta o espírito dos crentes para outros e mais profanos devaneios. E o Miguelito há dois anos que não corta o cabelo mas ainda andará mais um assim. Foi promessa do avô em momento de aflição. Na hora do aperto prometemos tudo, não é? - Explicava a mãe da criança a quem, mercê do cabelo comprido, chamavam menina na Escola. Temos necessidade do transcendente e sempre que nos ausentamos de Deus ou quando nem sabemos da sua existência, muito rapidamente inventamos o ídolo e a ele nos ligamos por rituais e oferendas. John Steinbeck escreveu “ A um deus desconhecido” e, naquela história, deus era uma árvore.