OUVIR COM O OLHAR
Prof. Antônio de Oliveira
antonioliveira2011@live.com
Inspirou-me a redigir este texto a releitura do Soneto 23, de William Shakespeare, em seu último verso: “Tohearwitheyesbelongstolove's fine wit”. Ouvir com os olhos faz parte das sutilezas do amor. Beethoven, surdo, foi capaz dessa arte diante da imagem óptica das partituras. Num concerto, maestro e músicos mantêm a partitura diante de si, mesmo sabendo a música de cor. Os músicos ouvem a batuta do maestro que,com maestria, descreve compassados volteios dentro da geometria de uma circunferência. A transparência visual oferecida pela representação gráfica das notas proporciona ao músico o espírito de uma composição. Espírito que tem a ver com espiritualidade, isto é, espírito cultivado. Sobretudo na música clássica, no seu conceito amplo, sacra, gregoriana, profana.Inegável o enlevo de certas composições iluminadas pela luz do infinito, como: de Schubert,Ave Maria;de Beethoven, missa solemnis, Fantasia Coral; de Mozart,Missa de Réquiem; de Wagner, Coro dos Peregrinos, na obra "Tannhäuser".
Numa Semana Santa tradicional, o efeito produzido pela música barroca, é muito maior do que essa mesma música ouvida longe da exuberância de uma cerimônia litúrgica com suas imagens, turíbulos em brasa, aroma inebriante de ervas-de-cheiro, andores enfeitados, cheiro místico de incenso. Machado de Assis, num Ofício da Paixão, se deixou “embalar pela música e inebriar pelo incenso, duas fortes asas que levam de oeste a leste”. Bem-aventurados os simples que deixam seu coração voltar sempre à simpleza antiga porque sabem ouvir com o olhar.Quem vê a banda passar enxerga a música passar.
De maneira também sinestésica,a expressão “veja só” quer dizer “escute”. No caso das pessoas privadas de visão exterior, sabem elas ver com o olhar interior. Talvez sirva de exemplo um Andrea Bocelli. Por vezes, um mundo mais rico. Há cegos que enxergam mais do que nós, videntes, que temos o uso da vista exterior. Veja só!...