SEPPUKU DE ARAQUE
Cremenciano, pessoa polida, cumpridora de seus compromissos, pontual, atencioso e sempre com um cafezinho na ponta dos dedos para agradar a chefia, os colegas e visitantes, para tanto levantava-se lá de seu posto de trabalho, quase atropelando a senhora da recepção.
Embora não fosse visto pelos demais Cremenciano abusava da confiança da chefia e navegava pelas redes sociais. Mesmo que seus colegas não tão privilegiados desconfiassem não tinham certeza, pois ele sentava-se no fundo da sala e de lá via a tela de todos, mas ninguém via a dele.
Desconfiavam pelos seus olhos grandes, que se firmavam na tela e de vez em quando espiavam os demais colegas, bem diferente de quando estava em trabalho.
Cremenciano tanto procurou que um dia encontrou, uma morena alta, atenciosa, bem-falante, de idade emparelhada com a dele, prospera comerciante ao lado do marido, mas que não era feliz no casamento, pois faltava-lhe aventuras. Do virtual, nem mesmo passara uma semana e já estavam encontrando-se as escondidas.
Nada que tenha passado despercebido pelos colegas do lado de cá e muito menos pelo marido do lado de lá, assim pouco tempo depois o marido traído pôs a sócia contra a parede, ou ela retornava aos braços dele ou a parceria nos negócios seria desfeita. Ela pediu alguns dias para pensar e aconselhando-se com suas limitações percebeu que logo, logo poria tudo fora e o marido que era um talentoso e trabalhador dedicado cresceria muito mais longe dela. O importante então era abandonar a aventura e aproveitar enquanto ele ainda a desejava.
Num sábado chuvoso ela e o amante encontraram-se num motel, encontro armado por ela, para que pudesse dar-lhe a notícia que não iriam encontrar-se mais, pois ela voltaria a ser fiel ao marido. Nem bem ela deu-lhe a notícia e ele sacou de uma arma pondo-a no próprio ouvido e começando ameaças de que se ela não mudasse de ideia ele poria fim a vida.
Não faz isto dizia ele e ele retrucava dizendo que não haveria sentido na vida sem ela, até que ela puxou a arma das mãos dele, momento que a arma disparou acertando-a, por sorte nada que a pusesse em risco de vida, mas mutilando-a parcialmente.
Ela saiu correndo e embarcou no próprio carro rumando para o hospital que era próximo. A polícia acionada pelo hospital foi até o motel e encontrou a porta do quarto trancada e a partir daí travou-se um duelo de palavras:
- Abre esta porta! – Gritou o policial
- Não abro, se arrombarem eu me mato!
Então o policial cuidadosamente protegido pela parede vira a chave mestre na porta e ouvem-se gritos de dor:
- Ai, ai eu vou morrer, socorro!
Sobre a cama estava Cremenciano com uma faca cravada na barriga. Acionados os socorristas seguiram o recomendado, colocaram-no na maca sem remover o instrumento perfuro-cortante. Vasculha daqui, vasculha dali e a arma não foi encontrada. Provavelmente a amante tenha a levado, mesmo no momento de dor, em pensamento, para não permitir que ele consumasse o que dizia, ou para não dar provas contra ele.
Já no hospital, na feitura do boletim os policiais indagaram o médico sobre as lesões:
- Ela perdeu o dedo médio da mão direita, mas a cirurgia ficou ótima que ninguém notará. Ele terá alta logo, o corte na barriga foi só na pele, pois ele puxou-a antes de cravar a faca, assim ela entrou de um lado e saiu logo abaixo sem nem mesmo cortar carne ou músculos.
Do livro: DEDOS EM TENTAÇÃO - 2016