A LAVAGEM CEREBRAL E A PIRÂMIDE DA FORTUNA

Em reflexão

Já faz algum tempo que tive uma angustiante sensação “analógica” que intencionei colocá-la no papel.

Lá atrás, quando eu anda era muito jovem, certa vez fomos convidados em família e amigos para participarmos duma dessas pirâmides de vendas de produtos vários que chegavam ao Brasil , cuja atividade comercial “piramidal” prometia a sorte grande aos seus empreendedores.

Alguém, elegantemente trajado, que detinha a eloqüência da oratória, nos contava do seu sucesso empresarial como “auto-gestor”, ali homem rico e bem sucedido nos poderes, depois do relato pormenorizado da sua triste história de vida, sempre mais sofrida que a vida de qualquer ouvinte da palestra articulada, de obstáculos intransponíveis, vida de pobreza, de desemprego paternal, de fome, de mãe doente, igualmente às histórias que vemos “aos baldes”, inclusive hoje pelo nosso mais próximo entorno social que já monta suas empresas nas calçadas da vida, a vender até a alma aos que lhes oferecem a comida do dia.

Somos muitos os empreendedores compulsórios de nós mesmos...

Então, o orador nos convidava a acionarmos o pensamento lógico,prontamente a sairmos dos empregos de humilhante submissão aos patrões capitalistas ou a abandonar os estudos estafantes que nos tornariam apenas bons profissionais explorados pelo sistema, para que, como ele, nos tornássemos senhores empresários de nós mesmos...para tão prontamente nunca mais precisarmos trabalhar duro, posto que indicaríamos pessoas para participar na tal rede com a finalidade de construirmos a nossa base na pirâmide de vendas , que subiria até os céus dos nossos projetos de vida, e no pico dela teríamos nosso lucros e dividendos, sem esforço, a cada produto vendido pela malha de “empresários da base”.

A promessa sempre é de dinheiro e sucesso fácil...até hoje.

Lembro-me que a tal onda “auto-empresarial” virou moda por um bom tempo .

Em breve surgiram várias promessas de ganho de dinheiro inercial com a venda de vários produtos superfaturados quando comparados com o preço normal de mercado do seu similar: Limpeza, jóias, roupas, cosméticos e sei que até hoje existe uma linha de alimentos e produtos naturais que oferecem milagres em saúde e beleza.

O mais intrigante: todos começavam (e ainda começam!) adquirindo uma “compra” volumosa, de cota mínima MENSAL em pequena fortuna, dos produtos oferecidos pela “empresa internacional” daquele belo e sedutor orador, de sucesso vital invejável...e que ensinava aos futuros empresários a repetição dos mantras escolhidos para cada produto duma lista infindável de milagres concedidos aos tolos.

Hum...e ainda naquela oportunidade, acionei minhas “antenas” imediatamente, no auge dos meus, talvez vinte anos, a perceber que na verdade aquilo se tratava duma venda coletiva adquirida compulsoriamente por uma rede de possíveis futuros otários arrependidos.

Minha dedução comercial: Os integrantes da pirâmide seriam os próprios consumidores dos produtos vendidos pelo orador, ao mesmo tempo que seriam vendedores autônomos do que compravam por regra contratual , inclusive sem direito trabalhista algum.

A trama piramidal era perfeita, mas só para o orador dos discursos velhacos destinados à formação das pirâmides de lavados cerebrais.

O que mais me intrigava era a não percepção do engodo por parte das muitas pessoas ali muito preparadas, estudadas, inteligentes, frente a uma dinâmica tão óbvia duma tentativa, quiçá dum “estelionato” da consciência obnubilada por oradores bonzinhos na formação da pirâmide insensata de pessoas...iludidas com o nada.

Tentei explicar aos amigos e foram poucos os que entenderam, claro, se negavam a reconhecer que podemos todos ser enganados pelo mal articulado em dádivas irresistíveis.

Deve haver uma certa predisposição constitucional para as ilusões, acredito nessa minha tese.

Lembro-me, inclusive,que os olhos das pessoas brilhavam frente às promessas de sucesso empresarial de vida sem o mérito do “muito esforço”, como sempre o é, inclusive duma esposa dum médico que entrou no negócio e o tentava convencer de que nunca mais teria que dar plantão.

O tempo passou, digo que ninguém virou gestor de si mesmo e o médico continuou, ainda por muito tempo, a dar plantão cujo honorário sequer pagava a cota onerosa da compra mensal dos produtos para a empresa falida da esposa.

O final da história: Tive amigas que acumularam caixas de sabão vencidas, estocadas por não conseguir vendê-las a tempo, adquiridas a preços estratosféricos, que prometiam tirar toda e qualquer sujeira do mundo, incrustada na vida, até aquela que ninguém enxerga, sem ter que esfregar com as mãos cansadas as retinas ofuscadas pelas ilusões.

Como dona de casa, digo que nunca vi sabão mais poderoso que aquele...até viver a história dos tempos vindouros de lavagens cerebrais em massa.

Tenho que confessar o justo do produto no meu aprendizado ao futuro: o sabão fazia uma perfeita lavagem nos neurônios desavisados da força inacreditável dos homens espertos sobre os que acreditam na “lei do mínimo esforço”.

Hoje, me pego aqui , numa analogia de vida em sociedade, de país, de mundo, de planeta, de universo...e digo que o pior crime invisível...é o do estelionato programático que desapercebidamente lava a clareza da consciência da boa fé das gentes.

O que será que falta para as pessoas acreditarem que nenhuma “estrela” nos caí dos céus das falácias para abrilhantarem os nossos destinos terrenos tão obscuramente parasitados?

Alguma outra melhor analogia com os nossos tempos?

Fica a minha proposta literária e analógica...porque pensar nos é tão emergente quanto viver com dignidade.