Todos os dias de manhã ele ia ao calçadão de Copacabana dar uma volta e também ao banco. Essa era a rotina de PR., um homem sem nenhum atrativo, mas que se julgava jovem e esbelto para seus 65 anos. Em seus passeios na orla usava sunga, que por sinal tinha uma coleção delas, 21 ao todo. Tênis era sempre o mesmo, quando enjoava é que comprava outro, dizia que não podia chamar mais atenção que a sunga. Acenava para as pessoas quando caminhava, mas não parava para conversar com ninguém; muitos o conheciam de vista, mas nunca souberam seu nome ou onde morava.
Os anos passaram e PR. não mudou em nada. No banco conferia suas aplicações e seu dinheiro crescia, crescia... Principalmente com aquele último depósito depois de uma transação imobiliária maravilhosa, quando um sujeito ficou muito apertado e necessitava de vender a casa na Barra urgentemente. PR. esperou até o último momento para dar sua oferta em dinheiro vivo, quase a metade do valor de mercado. Mais um super negócio em tempo mínimo.
Um dia uma mulher, com seus 40 anos, puxou conversa com ele dentro do banco. PR. nunca se interessava por ninguém, no entanto aquela mulher o fez pensar na possibilidade de fazer alguma coisa diferente, se as pessoas o visse acompanhado, ia melhorar sua reputação, se caminhasse com ela no calçadão todos iam notar.
_ LHI., é de Lúcia Helena Iguatemi, muito prazer.
_ PR. quero dizer, Ptolomeu Ramos.
_ Interessante, LHI. PR. - ela sorri encantadoramente.
_ Você tem o sorriso igual ao da Monalisa.
Na saída combinaram tomar uma água de coco no quiosque da pedra do Leme. A rotina continuou por meses, PR. andava com LHI. e não saía disso.
_ PR. não quer que eu dê uma arrumação no seu apartamento? – ela perguntou quando ele apareceu com um quisto no pulso.
_ Aceito.
LHI. foi ver enfim onde morava o homem. Num apartamento da Avenida Atlântica, com uma linda vista, porém não muito moderno. A moça não esboçou nenhuma reação, começou a arrumar e ele gostando do favor que ela estava lhe fazendo. Quando terminou ele agradeceu e ela foi embora.
PR. foi se encantando com LHI. Um dia ela lhe contou uma história de que tomava conta de um apartamento e o dono o vendeu, ficando ela sem endereço fixo. Dividia um quarto com uma outra moça numa casa onde a proprietária não permitia que usasse o endereço para correspondência.
_ Posso usar seu endereço, afinal nos encontramos todos os dias...
PR. não vendo nada de mal, concordou. LHI. usou o endereço e de vez em quando dava uma arrumada no apartamento. PR. não dava pra ela um real sequer. Ela sempre amiga e solidária, às vezes fazia uma compra pra ele e o cuidava quando adoecia. Ele não sabia onde ela morava, nem nada a seu respeito, nem queria saber. Quanto menos se sabe, menos se envolve. Quando PR. fez 70 anos LHI. levou um bolo e deu-lhe um beijo na boca, esses de selinho. PR. adorou, mas não disse nada. Cantaram parabéns, comeram bolo, e, nesse dia armou o maior temporal. Depois de anos LHI. dormiu pela primeira vez na casa de PR. Pela manhã preparou o café e foi embora. Por alguns dias PR. não viu LHI. no calçadão. Só por um momento pensou o quanto era ruim não tê-la como companhia. Um mês. Dois. Três. PR. passou mal, teve uma isquemia, foi para o hospital, LHI. apareceu para visitá-lo.
_ Como soube que estava doente?
LHI. não respondeu, tomou todas as providências em relação à interdição dele. PR. saiu do hospital e desapareceu. No prédio onde morava LHI. aparecia de vez em quando, depois a freqüência foi maior até que se mudou definitivamente para o apartamento. PR. era uma pessoa que se achava tão auto-suficiente que não fez amizades para um questionamento sobre seu sumiço. As correspondências continuaram chegando agora só para LHI. Dentro de uma pasta LHI. guarda um documento: atestado de óbito de Ptolomeu Ramos, sem filhos nem parentes, deixa bens e companheira Lúcia Helena Iguatemi.
Lá fora o mar calmo de águas límpidas, sobre a mesa uma revista aberta de arquitetura e decoração, e extratos bancários, que deixava um sorriso no rosto de LHI. muito mais maroto que o da Monalisa.