DOMINGUEIRAS DO PRAIA CLUBE-LIVRO 2

DOMINGUEIRAS DO PRAIA CLUBE

Aos domingos à tarde realizavam-se domingueiras dançantes no São Vicente Praia Clube, que se localiza no final da Avenida Capitão Mór Aguiar, ao lado do Quartel do Corpo de Bombeiros. Literalmente, era onde os bondes 2 e 22 faziam seu ponto final em um retorno de linhas férreas. Isso na década de 1960. Os rapazes, as mocinhas e os já não tão novos se programavam para o evento. Saído da infância, ir a um baile era desafio novo para mim. Dançar, então era uma habilidade misteriosa. Tocava uma música, os rapazes se levantavam e, em passo apertado, se dirigiam à moça que haviam escolhido para convidar a ser sua parceira naquela dança. E, aqueles que não eram recusados, ou não levavam “táboa”, saiam abraçados rodopiando pelo salão. Dava a impressão que havia combinado antes, tal a harmonia dos rodopios. Eu ficava ali, apreciando os pares no salão desenvolvendo suas habilidades, matutando que estranha linguagem corporal havia no dançar que eu nem de longe conhecia. O ginásio onde nós jogávamos basquete era preparado para esses bailes, as tabelas e cercas removidas, transformando-se em um grande salão de baile. Havia um palco ao fundo e muitas vezes uma orquestra tocava. Mas nem sempre. Sem orquestra, embora o encanto diminuisse, as coisas não mudavam muito: Ray Conif (“Aqueles Ojos Verdes”, “Quiçás, quiçás, quiçás”, “Mujer”, etc.), Nat King Cole, um negão com voz de veludo (“Moonlight Serenate”, “Adelita”), Nelson Gonçalves (““ Maria Betânia”,” Deusa do Asfalto”, “A Volta do Boêmio”) e outros cantores e orquestras da época eram reproduzidos nos toca-discos do Praia Clube. Aos poucos fui me envolvendo com esses bailes e resolvi que aprenderia a dançar de qualquer jeito. Primeiro, ter uma noção de como eram dados os passos de modo a não esmagar os pés da dama: um passo pra lá, um passo prá cá, dois pra lá, um prá cá, dois prá lá e dois prá cá, uma volta, ir à frente, dançar indo prá trás, etc. Depois, treinar com uma amiga, para depois ousar convidar alguém para dançar. Eu me sentia um filhote de águia aprendendo a voar: só dançava com uma moça conhecida que havia ido ao baile para dançar com os bons dançarinos e eu ficava atrapalhando suas intenções. Mas entre um e outro paquera (na época, “flerte”), uma amiga fazia uma caridade e me concedia um treino em um bolero, que era o que consegui aprender, pois samba e outros rítmos eram para uma instância superior. Às vezes, creio que para se livrar de mim, fazia com que outra dançasse comigo. Como minha coordenação motora sempre foi razoável, aos poucos fui dominando a arte de dançar boleros, na base de dois prá lá, um prá cá. A seguir, o mais difícil para vencer a timidez: convidar uma desconhecida para dançar. Desenvolvi uma logística para isso: entrava no clube, ia direto ao bar, tomava um álcool. Primeiro era Cuba Libre (Coca Cola com rum), depois o Samba em Berlim (Coca Cola com cachaça), que era muito mais barato de dava mais “barato”. Uma coca dava para fazer uns quatro Sambas. Vinha a coragem de ir ao salão e perdia o medo do mico que poderia acontecer. Começava uma música e, antes de tudo, precisava reconhecer que era bolero,depois era procurar uma moça, que, pelo jeito de olhar, aceitaria dançar. Eu tinha certeza que ninguém queria dançar comigo de tanta recusa que levei. Mas, aos poucos fui evoluindo, aprendendo a dançar outros rítmos, sem precisar beber antes. Aprendi que, além de dançar, era possível paquerar e conversar com novas amizades femininas. Tinha uma nissei linda, com nome japonês, que foi meu par constante por muito tempo. Conversamos muito pouco, mas era chegar ao Praia Clube, trocar olhares com ela, e na próxima contradança saíamos dançando. O Paulo Santos era um grande “pé de valsa”, não perdia uma. Chegava próximo a moça, com um sorriso irrestível, e saía dançando com grande desenvoltura. Eu morria de inveja. Quando era uma orquestra que animava a domingueira, eram tocadas “seleções”, um conjunto de música de um mesmo rítmo de modo a não desafiar as habilidades dos dançarinos.

Final, de tarde, já escurecendo, anunciava-se que era a última seleção. Muita gente já havia ido para casa. Eu ficava até o último acorde. Saia “no lixo” como se fala na Bahia, quando já estão limpando o salão. Saía do Praia Clube, voltava para a vida real, morava a uns dois quarteirões. Ma s já pensando na domingueira do próximo domingo.

Paulo Miorim

11/05/2016

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 11/05/2016
Reeditado em 22/10/2021
Código do texto: T5632853
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