FIAPO
FIAPO
Depois de mudar para a Marques de São Vicente, esquina com a avenida Capitão Mór Aguiar, conheci uma outra São Vicente (SP). Amigos novos, lugares e hábitos novos. Eu havia morado na Rua XV de Novembro e na Rua Jacob Emerich, e freqüentara o Clube Tumiarú, bem no centro da cidade. Meu pai comprou um armazém de secos e molhados chamado “AO BARATEIRO” e nós fomos morar na parte de cima do comércio. Para quem não sabe armazém de secos e molhados era onde se vendia de tudo: arroz, feijão, bebidas, farinha, milho, bebidas, sal, açúcar, carne sêca, ingredientes para feijoada, especiarias, conservas em latas. Enfim, era uma espécie de mercadinho. Os supermercados não existiam em São Vicente. Muitos fregueses tinham “caderneta”, onde eram anotadas as compras feitas e no final do mês meu pai somava todas e apresentava para pagamento. As compras eram feitas e, se em grande quantidades, havia um triciclo com uma carroceria para transportar as mercadorias. Foi o meu primeiro exercício de humildade, pois quem fazia as entregas, dirigindo aquela geringonça, era eu. Nas primeiras vezes deu vontade de não ir, de cobrir a cabeça para não ser reconhecido. Mas, como tudo em minha vida, sempre gostei de novas experiências, acabei por curtir essa atividade. A pessoa fazia sua compra (“compra do mês”), passava o endereço, eu pegava o triciclo, colocava as mercadorias e lá ia eu entregar. A maioria dos compradores morava na região próxima ao armazém e, por ser atleta, eu ia pedalando sem grandes problemas, aproveitando para fazer um exercício. As ruas eram todas de terra, inclusive a avenida Capitão, mas, por ser comum na época, eu não via dificuldade nenhuma. Chegava à casa do freguês, batia palmas ( algumas já tinham campainhas, que eu achava chique), e colocava os produtos dentro da casa. Concluída a entrega, retornava com triciclo para o armazém. Numa dessas entregas, vi umas bolinhas de pêlo andando pela casa do freguês e me encantei: eram filhotes de cães da raça Tenerife (hoje “Bichon Frissé”). Paixão a primeira vista por uma daquelas bolinhas, depois de muita insistência, ganhei um daqueles filhotinhos. Coloquei o bichinho montado no meu braço esquerdo e vim pilotando o triciclo com o direito. Antes de chegar em casa já havia batizado aquela fofura preta e branca de Fiapo. Fiapo foi uma companheirão fantástico. Não havia petshop e só rico podava seus animais. Fiapo foi a vida toda uma bola de pêlo, daquelas que não sabemos onde é cabeça ou o rabo. Eu e minha mãe só cortávamos a pelagem em frente aos olhos e próximo às patas para o cachorro poder andar sem tropeçar nos pelos. Com o tempo desenvolveu um comportamento diferente da maioria dos cachorros: em casa qualquer pessoa podia entrar, mas para sair tinha que passar por uma fera chamada Fiapo. A gente tinha que segurar o bicho, tamanho o barulho que fazia. Como sou um cachorreiro inveterado e apaixonado sem fanatismo, Fiapo ganhou muito carinho e uma meia dúzia de banhos em toda a vida, dados por mim, pois esse negócio de pagar para cachorro tomar banho nem pensar. Era banho no quintal, com mangueira e água fria. Mas tenho certeza que o Fiapo foi um cachorro feliz durante os dez anos que viveu. Que Deus o tenha, sem poder sair de casa.
Paulo Miorim
11/05/2016
Paulo Miorim