Sozinhos

Aconteceu há alguns dias em um restaurante na Avenida Paulista ou ali por perto. Eu estava sentado a um canto, sozinho, claro, a cabeça baixa voltada ao cardápio no qual eu não tinha conseguido ainda me concentrar. Qualquer um diria que apenas um completo idiota perderia seu tempo pensando nas coisas que eu pensei e certamente eu responderia que no fundo talvez eu seja mesmo um tipo de idiota... a verdade é que meu motivo não pareceu nada banal enquanto eu estive ali. Pareceu grandioso, aliás. O tipo de coisa que provoca a mente da gente de modo que ela dá algumas voltas pelo espaço de lugar nenhum com o qual faz fronteira, e então a faz voltar trazendo um silêncio mortal, um frio incomum e arrepios. Aquela garota já estava lá quando eu cheguei. O prato parcialmente vazio sobre a mesa, os olhos fixos no celular que uma das mãos sustentava para competir a atenção dela com o almoço.Vendo-a veio o primeiro arrepio e depois, sentado ali a algumas mesas de distância, o canto dos meus olhos a procuraram tornando a leitura do cardápio muito menos importante. Ali eu soube o quanto seria fácil amá-la. Não sei... talvez os cabelos claros caindo no rosto, ou a pele pintada pelas luzes bem posicionadas do salão, ou então aqueles olhos castanhos virando e virando, vasculhando a tela do telefone... algo nela me encantou. Como seria fácil! Sim, naquele momento! Depois, certamente, a vida andaria. Eu olharia para ela como um rosto comum no meio da multidão, um carregado de seus próprios defeitos, os seus medos que mancham a alma, as vontades estranhas e diferentes da minha, os pensamentos que em nada se encaixam. Depois de tantos almoços juntos a conversa se tornaria mais vaga, o sorriso mais vago e muito largo o vazio até que, ambos, estaríamos de volta às suas próprias mesas, metros separados em um restaurante qualquer com uma iluminação que provoca devaneios. Sozinhos. É. Nos momentos que seguiram, depois daqueles instantes com os olhos presos ao cardápio sem enxerga-lo, vasculhei o salão outra vez e ela já tinha partido. Eu não soube o seu nome, qualidades e defeitos. Fora um fantasma. Mas tenho quase certeza de que ela olhou para mim quando eu entrei no salão aquele dia, olhou certa de que eu não perceberia como depois eu a fitei sem que soubesse também. Que maneira estranha de não se conhecer alguém.

Leandro Sales
Enviado por Leandro Sales em 09/05/2016
Código do texto: T5630440
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