HORA DO ANGELUS

Por vezes minhas lembranças sintonizam aquele velho rádio à bateria e ,nitidamente, ouço ainda a voz de veludo de Julio Lousada pelas ondas da Tupi do Rio de Janeiro.
O cenário,pouco a pouco, se recria: O mugido melancólico das vacas de Tia Flora protestando em frente a porteira o separatismo dos bezerros,crias suas.
O estalar do chicote e a manada avançando em direção ao estábulo.
A silhueta de titia,em passos cansados seguindo o gado.
[Uma cadência de puro recolhimento]
Minha mãe inclinada sobre a pequena prateleira que sustentava o rádio,balbuciando uma prece e o copo     d´agua na mesinha do canto,prestes a ser ungido pelas graças de Maria,a mãe de todos os homens.
A rua em que morávamos, encolhida entre os derradeiros acordes do dia e um cheiro de comida rescendendo no fogão à lenha.
A sala,com alguns sorrisos pendurados em retratos, imersa no que ainda restava de luminosidade do dia que agonizava.
Era a "Hora do Ângelus".Tão respeitada, tão pura,tão necessária para que a transição tarde/noite se fizesse num clima de pureza.
Tantos anos depois,eis-me aqui, introspectivo nesta casa encolhida na penumbra.Faltam-me os ecos,os cheiros,as vozes e os mugidos de outrora.
Derradeiros raios de sol perfuram o fino tecido da cortina e um pequeno bibelô de cristal reluz na sala escurecida como se fora um farol em noite de tempestade.

Recostado no sofá ,entrego-me ao amontoado de emoções.
O frio e barulhento asfalto da rua,de agora, conduzindo gente apressada,compromissada,sem tempo para bobas reflexões.
[Há que ser extremamente prático! A vida moderna assim o exige.]
Resta-me o que ainda sobrou de sol, invadindo minha janela.
[Cúmplice de meus saudosismos.]
Faz-se em mim, ainda que sem oração proferida,uma espécie de louvor silencioso,telepático,mudo nos ecos, extremamente gritante nas divagações.
Lá fora,um cano de escape macula a placidez da tarde.
Cá onde me encontro,sou uma silenciosa carcaça em compasso de espera.
[Minh´alma voeja!]
É "Hora do Ângelus".
Joel Gomes Teixeira