Este admirável mundo novo…

No final dos anos 90, no Superior, fui alertado por um professor para o facto das farmacêuticas estarem prestes a entrar em grande no mercado português, sendo que em breve imensa gente, que não precisava de tal, seria medicada por tudo e por nada, e que as pessoas que precisavam de apoio, em vez de medicação como parte do processo terapêutico teriam apenas (ou quase só) medicação, o que levaria a que se camuflasse e não resolvesse o problema.

O cenário de populações medicadas por todo e qualquer motivo, para poderem dormir, para poderem acordar, porque se está deprimido, porque se está entediado, etc, um cenário de outras nações ditas civilizadas (e que vistas de fora por nós, era por nós estranhado...) seria em breve o nosso cenário. E de facto, em poucos anos, o que o professor disse provou ser real.

Quando antes era raro encontrar alguém medicado, hoje raro é encontrar alguém não medicado... Mas desde há algum tempo que se chegou ao extremo de se medicar crianças, indo ao ponto de lhes dar anfetaminas (que toda a gente sabe que fazem um bem enorme à saúde e que em algumas nações, como drogas ilegais são um grave problema para a saúde pública, sem contar com o aspecto criminal da questão, que não é para aqui chamado, dado essas anfetaminas serem legalmente receitadas...).

Sobre as nossas crianças estamos a cometer um crime, que não me parece ir ter castigo...

Existem pais que não sabem no que se meteram, pois guiaram-se na boa fé dos educadores ou dos terapeutas que lhes recomendaram essa medicação, mas também existem os pais das crianças ditos informados, e que aceitam deliberadamente este sistema de autêntica dopagem, argumentando que elas são demasiado irrequietas e que não têm mão nelas (em suma, que educar é uma maçada, sendo que o prazer não foi ter um filho foi mesmo fazê-lo...) ou então que a sociedade é muito competitiva, e que há que os manter focados, à base não de métodos pedagógicos, educacionais mas à base de químicos, em suma, o caminho mais fácil mas que a médio/longo prazo se revelará o mais perigoso. Num futuro próximo este excesso de medicação irá ter um enorme custo na saúde, na qualidade de vida das pessoas, sendo que nessa altura a quem devemos sacar responsabilidades :a quem, consciente, aceita a medicação, a quem a receita desnecessariamente ou quem pressiona para que se receite...?

Será fácil, em primeiro lugar, apontar o dedo a quem produz e impinge esses químicos, mas intelectualmente será desonesto da nossa parte fazermos tal, porque, se somos adultos, é suposto termos uma consciência critica, um livre arbítrio, que nos faça senhores das nossas escolhas, e não meras ovelhas que se deixam ser guiadas, sem pensar, sem criticar, talvez porque seja difícil pensar, mas no final do dia, difíceis serão as consequências desta espécie de indigência que tomou conta da maior parte da sociedade.

Mas o que realmente mais me espanta é toda a gente achar normal este “admirável mundo novo” que parece ser em (boa) parte movido por químicos.

Um dia alguém escreveu uma história que julguei ser delirante ficção científica, uma história de um mundo onde as emoções não eram naturais, eram provocadas quimicamente, um mundo onde a principal motivação de quem fomentava o uso maciço desses químicos não era o bem-estar das populações, eram antes os lucros astronómicos e o facto de se anestesiar essas populações, tornando-as mais dóceis perante situações que noutros tempos as iriam amotinar.

Mas ao adicionar redes sociais virtuais a essa história (mais um elemento de anestesia social), vejo afinal que esse mundo é este, é o nosso, e por isso, se este é o nosso presente, temo imaginar qual o nosso futuro, temo imaginar qual será o próximo admirável mundo novo…

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 03/05/2016
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