O Crochê da Tia Marica
O crochê da tia Marica correu mundo e não ficou só em Malhadinha. A tia Marica não fazia outro trabalho que não fosse a sua renda, o seu crochê, ou ler bastante textos para ela e as outras pessoas de casa. Vinha gente de toda vizinhança fazer renda com a tia Marica porque ela tinha bastante habilidade para produzir a sua obra. Além da profissão de rendeira ela admirava a todo tipo de arte. A minha leitora e mestra agradava ao povo do lugar e adjacências com o seu trabalho maravilhoso. Enquanto a tia Ana Rosa cuidava dos seus animais e dos seus xerimbabos, a tia Marica fazia o seu trabalho de crochê, a sua renda sublime e fazia também as suas leituras autênticas nos melhores autores brasileiros e universais. Eu ficava admirado com a habilidade desta minha tia artista fazer o seu trabalho de crochê e ainda ter muita paixão pela boa leitura e tentar me ensinar algo da nossa cultura.
Quando chegava uma encomenda, logo ela realizava tudo e despachava o freguês que saía bem satisfeito com o belo atendimento desta celibatária artista.
Sempre vinha freguês de todo município para fazer algum serviço de crochê com a tia Marica, que além desta habilidade tinha também o gosto pela leitura, pela arte literária e até mesmo pela pintura.
Vi muito a tia Marica fazendo a sua renda o dia inteiro, parando apenas para comer ou ler algum texto de romance ou algum cordel de seu interesse. Entre a leitura e o crochê fez ela a sua vida de celibatária sem nunca ter conquistado ninguém e sem construir família, vivendo ao lado das outras duas irmâs solteiras até o fim da sua existencia.
Os trabalhos de renda da tia Marica tiveram repercussão na capital do nosso estado. Quando a nossa prima Maria vinha visitar os parentes, levava sempre algumas peças de renda para vendê-las em Fortaleza, a capital do nosso querido Ceará.
Assim a obra de arte da minha tia e mestra ia se difundindo por tdo nosso estado. A minha incentivadora a literatura tinha muita habilidade artística, embora não tenha ficado bem conhecida como realmente merecia. O meu gosto literário foi descoberto através desta figura extraordinária, que tanto gostava de ler e comentar as obras da nossa literatura. Meu ralacionamento com Hugo, com Flaubert, com Julio Verne, com Cervantes, com Eça de Queiroz eu devo a minha tia Marica e aos bons livros. Foi através desta celibatária que conheci a obra de Joaquim Cesário Verde, Raul Brandão, Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro e o fantástico Antonio Feliciano de Castilho.