Mãe Esperança

No ano de 1996 andávamos pelo Norte de Minas procurando vendedoras para os nossos produtos.
Me lembro como se fosse hoje, era uma tarde muito quente chegamos na casa de uma senhora e perguntamos se ela não tinha interesse em trabalhar conosco. Ela disse que não, mas ia informar uma amiga que precisava muito trabalhar.
Agradecemos e pedimos a ela que nos dissesse onde a amiga morava. Anotamos e seguimos a procura do endereço. O normal seria encontrarmos a rua, a casa e batermos na porta. Só que não foi o que aconteceu.
Chegando no endereço deparamos com um terreno baldio. De imediato pensamos que a senhora tinha feito uma brincadeira conosco, ou tivesse nos passado o endereço errado.
Lá no fundo daquele terreno existia algo que estava muito distante de ser uma casa.
Enquanto a poeira passava, fiquei observando de dentro do carro aquele local que com certeza seria impossível alguém morar. E durante as minhas suposições eis que aparece uma mulher que caminhava em direção a nós, pára um pouco no meio do caminho e olha para trás. De dentro do carro pude observar a vergonha que ela sentiu.
Desci do carro e fui ao encontro daquela mulher tão magrinha, que numa pequena rajada de vento não sei quem levava primeiro, se ela ou o local em que morava.
Falei da amiga que tinha nos passado o endereço e ela confirmou que precisava trabalhar.
Percebi que ela não queria que eu fosse até aquele local que chamava de casa. Mas eu quis ver de perto, aquele amontoado de paus que me chamava a atenção.
Não tinha porta, me abaixei um pouco para entrar me esforçando o máximo para ela não perceber o nó que estava se formando em minha garganta.
Eram muitos paus e gravetos amarrados uns aos outros onde por fora se via tudo por dentro e do lado de dentro olhando pra cima eu via o céu. Procurei um lugar para sentar, ela me ofereceu uma tábua em cima de dois tocos encostado naqueles paus amarrados. Confesso que senti medo que aquilo tudo desabasse em cima de mim.
Perguntei se morava ali sozinha. E ela me disse que morava com o marido e mais cinco filhos. Pensei “ meu Deus como pode uma família morar aqui?” Senti vontade de chorar, mas me segurei. Eu não poderia chorar na frente daquela mulher onde até a esperança já quase lhe faltava.
Ela muito nervosa querendo me oferecer um suco de limão que ia fazer na casa da vizinha, pois ali ela não tinha como. Ela tremia muito e eu no meu interior sabia o porquê. Segurei em suas mãos e pedi que se acalmasse e que não precisava fazer suco nenhum. Logo senti que por trás daquele corpo frágil existia uma grandeza de alma, uma mulher com um coração enorme. Me olhava como se quisesse dizer “pelo amor de Deus não desiste de  mim”.
E nós não desistimos, pensei “ será que não somos a oportunidade que ela esperava?” Vamos apostar.
Apostamos, deixamos com ela uma quantidade de mercadoria dizendo pra mim mesmo “ seja o que Deus quiser” e fomos embora.
Foi com grande expectativa que retornamos à casa dela trinta dias depois.
E lá estava todo o dinheiro da venda da mercadoria enroladinho numa folha de papel. Nos perguntou se íamos deixar mais. E de novo pensei comigo mesmo “ meu Deus ela não gastou o nosso dinheiro, mesmo sabendo que tudo lhe faltava”.
E assim ela foi trabalhando conosco. O marido tinha arrumado um emprego num posto de gasolina e logo  começaram a construir na frente do terreno a sua tão sonhada casinha. Enchi meus olhos de água quando vi aquelas paredes sendo levantadas. Depois de um tempo paramos de trabalhar na região, como minha irmã passou a viajar com o mesmo produto, ela passou a pegar com ela. Depois da casa pronta o marido veio a falecer e ela se viu sozinha para criar os seus cinco filhos. Passou a vender Avon também, nos contou que certa vez o filho preencheu o pedido errado e onde era para vir duas caixas de produtos vieram quatro. E ela preocupou, como iria pagar aqueles produtos que não tinha pedido? Foi quando teve a idéia de ir com a filha mais velha pro posto de gasolina. E todos que apareciam ela oferecia os produtos, e assim vendeu tudo, no dia de pagar a fatura o dinheiro estava na mão.
Vinte anos depois, passamos para uma visita e olhando aquela geladeira novinha na cozinha, não tive como não contar para seus netos a história do suco de limão e como era a casa que seus pais moravam quando criança. Lembrei àquelas crianças de como ela foi uma guerreira pra chegar onde chegou.
Nos recebeu com a mesma educação, nos olhos a mesma bondade de outrora, suas mãos não mais tremiam, pois não havia mais motivo.
Hoje mora numa bela casa, portas e janelas de vidro, garagem para três carros onde vi os netos correr e brincar.
Com a mesma dedicação de quando a conheci, correu a fazer um café. Brinquei com ela dizendo que estava mais nova. Vi a alegria no rosto onde antes era desespero.
E ela mais uma vez nos agradeceu por ter aparecido na vida dela.
Muitas vezes na vida, precisamos só de uma oportunidade, onde possamos nos segurar e seguir adiante.
Como estamos no mês das mães, achei por bem intitular o texto com “ Mãe Esperança”
Que Deus continue te ajudando dona Ezi, e que a pureza de alma permaneça sempre em seu coração.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
Élia Couto Macêdo
Enviado por Élia Couto Macêdo em 02/05/2016
Reeditado em 21/05/2016
Código do texto: T5623499
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