O Menino da vila
A quanto tempo não volto pra casa?...
Naquele tempo a lua, nunca vou me esquecer!...Espalhava-se inteira por sobre o telhado das casas e só a ela cultuávamos.Poucas eram as vezes, que a libélula se perdia do seu rumo.E quando havia chuva, ela gotejava nas poças d’ água a suave fragrância das flores, sem melindrar a imagem da dama da noite, que vinha estabelecer uma qualidade de vida, para os homens e para os vaga-lumes, que intermitentemente se mostravam, aqui e acolá; aqui e acolá.
Nos cantos escuros comuns de uma grande nação, embora muitos não valorizem, há grilos e sapos que continuam a festejar nos chacos, ressacas e lagos, a vida completando assim a festa de todos os dias, iniciada anteriormente, as seis horas, pela alegria da maestrina cigarra.
O Progresso estava despontando, mas a nossa inocência era costumeira e ai, os mais velhos, senhores dos valores, ainda ensinando abusavam das crianças pregando peças; difundindo o folclore de matinta- pereira ao saci ; quando não a invenção do cavaleiro de Deus, são Jorge com o dragão passeando na lua cheia, ou inúmeros contos de visagens,como as almas penadas que saiam a meia-noite dos cemitérios para assombrar as pessoas.Além é claro das versões variadas do que acontecia nos terreiros de Ubanda, sob o som dos batuques dia de sexta-feira, com os seus santos e macumbas.Mas o que, eu tinha medo mesmo, era do tal “fura-dedo”, embora haja aqueles que se lembram das imensas filas nos colégios, para vacinação.´
E até hoje tenho a minha marca.Você tem a sua?...Incrível como isso era comum no Brasil.
Vale ressaltar que até hoje quando se fala em doenças, a gente gosta de ver.
Já tiveste catapora, papera, sarampo, erizipela?...
Ah! toma chá de sabugueiro, passa folha disso, daquilo...
Ai que saudade daquela vida romântica!
A televisão era um sonho, a carne ainda vinha embrulhada nas folha de moçoroca, o pão quentinho vinha enrrolado numa folhinha de papel, os nossos cadernos eram costurado em folha de papel ao masso e a viagem do homem a lua uma imensa dúvida.
Os aniversários eram feitos com bolo sem confeito, pela mãe, que vivia na cozinha. Balões, língua de sogra, chapeuzinhos, Q-sucos, presentes, músicas de eletrolas ou rádiolas e muita alegria com as brincadeiras de roda.
Naquela época faziamos fogueiras para passar de comadre e compadre, dançavamos a quadrilha e brigavamos para tirar do pau de sebo um carrinho de plástico ou alguns cruzeiros.
Éramos pobres... não havia coca-cola, não tinha luz elétrica e comer galinha aos domingos, era luxo nacional.
Iamos fardados e tinhamos orgulho da escola, gazeteiro era aquele menino que não assístia aula e mobral era aquele garoto, que vivia repetindo de ano.As sexta da semana não só prenunciavam discotecas, mas o dia da sabatina...Mariazinha, fada madrinha, conhecida mesmo, como a palmatória e assim, se vivia bem.
Quando me dei consciência de um mundo, morava na Bernaldo Couto, entre Almirante Wandenkolk e a Doca de Souza Franco.Numa das vilas sem nome, lá na última casa, sem número.
Lembro-me que ao amanhecer, antes de ir à escola, o candeeiro era apagado pelo meu avô, a vovô fazia o café e a minha mãe embalada pelos jingos do radinho sintonizado na marajoara vinha até a minha rede e apertando o meu nariz, me chamava carinhosamente de “tico”para eu acordar.Eu com toda a preguiça, tinha que levantar, para enfrentar um frio frente a única torneira da vila.
Assim, começava o meu dia e para mamãe nada importava naquele momento, se não, o sabonete, que era phebo, a toalha e a preocupação com a hora. Pois ainda tinha que ir na taberna do senhor “Bené” ou do senhor “Wilson” comprar pão com manteiga.
Quantas e quantas vezes não caminhei com os pés descalços ou envolvidos na sandália havaiana?...
Ora perambulando na vila sem nome com os meus carrinhos de lata de óleo jaçanã, ora jogando bola, quando não, brincando de peteca sentindo o chão nas mãos ou no alvorecer da tarde, do quintal ou na rua mesmo, mergulhado com os olhos no horizonte a desenhar nas nuvens com a imaginação bichinhos, monstros e imensas bolas de algodão, que passavam pelo prédio mais alto de Belém, Manoel Pinto da Silva.Quando não estava empinando rabiola, ou a tal da curica por sobre os telhados, árvores e fios de alta tensão... Envejando os urubus que não paravam de dar rasantes no imenso céu azul.
As casa da minha vila eram todas de madeiras velhas, mal pintadas, mas que tinham um brilho estonteante, por cada uma das pessoas que lá habitavam e reclamavam de só haver um banheiro pequeno, de madeira para todos os moradores, cujo imenso taperebazeiro a sombrear se exibia, com toda aquela altura.Motivo também de largas reclamações e medo, principalmente em dia de chuva,pois diziam, que nesse período chamava raio.Eu jamais me importei, gostava dele, ele fazia sombra, nos dava frutos conversava com o vento e não deixava de dizer, em sua imponente alegria,aquele nosso mundo, que a natureza ainda estava preservada ali.
No dia que o cortaram chorei bastante, não entendia porque o queriam morto.Reclamei com o meu avô, lembrei-o da vez, que comemos juntos laranja sob a sombra do taperebazeiro, lembrei-o do sabiá que cantava no alto dos galhos, dos ninhos que os bentevis faziam,mas de nada valeu os meus argumentos, até porque não éramos os donos de nada, as casas que morávamos eram alugadas, a maioria dos vizinhos não gostava da árvore e o proprietário do local, queria o taperebazeiro no chão.Então, tive que me contentar até hoje com a saudade foi a única que não abandonou a idade.Embora, na época tenha sido consolado pela pupunheira da dona Santa, pela bananeira e pela ameixeira dos quintais vizinhos fui tentando me acostumar, assim como hoje, quando revejo o prédio, que tomou conta do lugar, que eu fui feliz um dia.
A pouco caminhando, em outras terras, longe do lugar que me nasci,me dei conta de mim, ao sentir um cheiro de comida no ar e vi através do tempo essa saudade me levar aos pratos de charque escaldado com arroz, caldo de cabeça de peixe, bobó , sardinha em lata ou carne conserva com ovo, cebola, tomate e muita farinha, açai, tacacá, maniçoba e pato no tucupi.Todas essas iguarias de mesa de pobre regada a conversa de família ao meio-dia, onde se falava das dificuldades, que impunha aquele governo de generais; onde a criança não tinha a tv, não tomava refrigerante, brincava de inventar gente grande e tinha que à mesa ficar calado, ouvindo o que os mais velhos teinham a dizer.
Ai que saudade que ainda hoje me faz, de um tempo que não volta mais!