A SAUDADE

Sinto que poucas são as coisas tão claras e frequentes no tempo e no espaço em que nos situamos do quilate da saudade. Tal sentimento, como a dor, só é bem evidente no momento de sua ocorrência. Trata-se, pois, de um sentimento.

Provavelmente, devido à sua vulgaridade, a saudade não guarda, em si, uma definição ou um conceito que a coloque junto aos sentimentos que um ser possa sentir. Vale ressaltar que o dito ser é o humano. Isso é talvez devido ao fato, para a minha santa ignorância, que somente animais dotados de instinto, pelo menos, revelem-na em potencial capaz de concorrer com o homem quando a sente.

Acredito que somente a felicidade, os entes queridos e as boas coisas sejam lembrados através da saudade; daí, a conhecida frase popular que muito claramente diz:

“A saudade é a vontade de ver outra vez, de repetir, de sentir aquilo que tivemos – que aconteceu em nossas vidas – no passado e que nos deu prazer, alegria ou amor.”

Lembro que a saudade é um sentimento tão profundo e penetrante na alma que chega a causar a morte do ser que a sente, no caso de ser grande demais, como aconteceu aos negros da África, que vieram trazidos para o Brasil e que aqui sentiam tanta saudade da terra natal, chegando a morrer daquele sofrimento: era o banzo.

Muitas vezes, a saudade implica na repetição da ocorrência de um fato revivido do passado. Por exemplo, quando da volta ao torrão natal ou a um lugar onde dispomos de muitos amigos, sabendo-se que certamente ali vai acontecer algo agradável; também, como exemplo, a saudade não passa de uma grande e boa lembrança de um ente com o qual foram gerados momentos felizes, que até podem querer ainda sentir, justo quando não passam de meras emoções não mais possíveis de serem repetidas. Este tipo de manifestação da saudade é, muitas vezes, em si, um testemunho da insegurança das pessoas infortunadas e de caráter duvidoso ou um simples atestado de forte inconformação do pai saudoso ao perder o filho amado ou algo similar. Portanto, sinto a intensidade deste sentimento ser variável e assumir características próprias para cada pessoa e para cada caso real.

Não podendo ser evitada de maneira alguma no homem, tenho visto a saudade não escolher tempo ou lugar para acontecer. Entretanto, a forma de evitá-la pode ser buscada na ocupação pessoal e constante em alguma atividade laboral, desde que aí exista boa vontade e um pouco de objetividade na decisão de superá-la.

Fui informado que as pessoas geralmente não compreendem a saudade que as perturbam e, desesperadamente, de forma paradoxal, procuram alimentá-la na esperança de obter alguma satisfação, do jeito que acontece quando, por amor (às vezes, até platônico!), é realizada uma visita a alguém que tenha sido paquera ou namorado ou namorada no pretérito. Dessa forma, a saudade não passa de ser, na sua causa, apenas um fruto decorrente da personalidade malformada ou ainda não estruturada.

Estou mesmo convencido, enquanto ser humano, que a saudade não surge de forma única, ao tempo que pode refletir algum aspecto bom ou ruim da personalidade e, na maioria das vezes, ela se explica como uma alteração do próprio comportamento humano.

Salvador, 20 de maio de 1998.

Oswaldo Francisco Martins
Enviado por Oswaldo Francisco Martins em 01/05/2016
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