PELA MULTIPLICAÇÃO DOS SÓIS

Naquela manhã, algo perdidos da rota, íamos por uma estradinha de terra vermelha a procura dum santuário.

De repente deparamos com ele, um morador veterano dali, que na robustez dos seus setenta e sete anos rastelava a terra do entorno da sua chácara, como se fosse o seu primeiro dia pela feliz jornada de vida.

“Bom dia!” -lhe gritei ao abrir a janela do carona, “o senhor conhece o templo tal?”.

Imediatamente senti que respirei o ar mais fresco e puro que meus pulmões já puderam inalar, inspiração prima que fiz já cercada de borboletas várias, lépidas e alegres que também nos recepcionavam em meio à sonoplastia típica duma mata fechada.

“Ora, que prazer, sejam bem-vindos, Sou o Geraldo!”-assim se nos apresentou- algo ofegante pela lida já pesada; e antes que nos explicasse o perdido caminho do templo , nos convidou para entrar sob o já iniciado relato dos sobre seus trinta anos de vida por ali...depois que desistira em definitivo da cidade grande.

Acalmou com jeito seus dois pastores que latiam agitados com a nossa presença, os guardou no canil e nos abriu o portão do seu paraíso.

Logo na entrada, um mirante das cidadezinhas da grande São Paulo nos ensinava sobre qualidade de vida, e lá no fim, aonde o horizonte já se desconhecia de si mesmo, uma cortina de fumaça descia bem distante de nós.

Tratava-se dum cultivador de plantas raras, em especial de orquídeas e eu, muito apreciadora da tal flor, imediatamente entendi que, pela vida, nenhum caminho “se encontra ou se perde” sob o ato dos acasos.

Não haveria palavras para descrever o que vimos, e eu, sempre munida duma câmera fotográfica , tomei o cuidado de registrar aquela beleza para sempre, não apenas a formatada abstratamente sobre minhas retinas..

“Aurora, temos visitas!”-gritou ele carinhosamente para sua esposa que, de lá de dentro do casarão, logo veio nos recepcionar com um sorriso tão largo que nos lembrava o esplendor das manhãs calmas que sempre se abrem resilientemente pelo tempo dos tempos...

Em poucos minutos passeamos por aquela terra cuidada com carinho e consideração pelas mãos daqueles que, pela vida, entenderam e agradeceram à sua imensa dádiva.

Dona Aurora nos levou à horta, aonde planta de tudo, inclusive gengibre, já com uma receita de chá para a gripe, a que nunca a abatera, e segundo ela, graças às propriedades medicinais daquela raiz.

Ali, também pudemos conhecer uma belíssima árvore, muito altaneira,-a castanheira-cujas amêndoas são aquelas que por aqui denominamos como “castanha- portuguesa”, as que culturalmente servimos cozidas nas mesas natalinas.

Um colorido forte de folhagens de muitas espécies atapetavam os nossos passos e adornavam os entremeios das plantações dependuradas de belas, numerosas e raríssimas espécies de orquídeas, cujas raízes se amparavam nos mais diversos troncos que meus olhos já puderam apreciar.

Já aprendi que flores reconhecem a alma de quem delas cuida...bem como a de quem delas descuida.

Logo nos foi servido um café que perfumava a manhã, naquele amálgama de notas perfumadas que só a natureza sabe temperar em nobre “parfum” que resgata as mais genuínas memórias olfativas.

Senhor Geraldo, sempre contando muitas histórias, de repente interrompeu a frase e nos lamentou:

“ às vezes procuro as palavras e não as encontro, fogem como o vento que passa, essa minha memória me trai em vida, é minha única queixa!”.

"Geraldo, para de reclamar, você virou um reclamão!"- considerou carinhosamente dona Aurora".

Assim que nos recobrou a palavra “perdida”, retomou seu “causo” e juntos demos boas risadas, afinal, alegremente seu Geraldo nos ensinava que é preciso aprender a rir de nós mesmos, para tornarmos a vida, sempre inesperada, mais leve, perfumada e colorida, exatamente como é a aura das flores.

Chegara, enfim, a hora de seguirmos rumo ao destino do nosso templo perdido.

Passamos pelo portão e os pastores nos sorriram como se entendessem a magia tão gratificante daquele encontro inesperado, e ouvi quando um deles me olhou a gemer baixinho, com o timbre característico de toda despedida.

Relato que, carinhosamente, ganhei dos anfitriões um vaso de orquídeas ainda não florescidas e perguntei ao seu Geraldo sobre suas características biológicas.

“Tenho tantas delas que não me lembro exatamente as dessa que lhe demos, mas aí está a fascinação de se esperar pela chegada das flores: é como se aguardar abrir uma caixinha, sempre de belas surpresas”- nos poetou o senhor Geraldo, com viço de criança encantada.

Então, dada a hora, nos despedimos e , antes de seguirmos, lá do outro lado da estradinha, ainda observei várias flores amarelas , como “margaridões epidêmicos”- talvez gérberas?- a desbravar , florescer e colorir a intimidade verde- musgo da mata.

Ao me aproximar, acionei a câmera, foquei uma delas em “macro”, sem enxergar muito bem o todo da cena pela luz que me ofuscava os olhos, e fiz a foto mais imprevisível da minha vida, a levar todo o palco, justo o daquela flor que, no ato do meu “click” e já cedida ao passeio duma “joaninha” que não observei na lente, foi inesperadamente visitada por uma borboleta que por ali sobrevoava. O teatro da vida fora congelado no tempo!

E seu Geraldo logo me explicou:

“Ah, imagine, essas flores são “só” girassóis do mato, flores muito comuns, baldias, dão como praga, eu e Aurora certa vez ganhamos sementes e as jogamos ali, aos passarinhos, isso já há muito anos. E as flores ficaram conosco...e se vão passear, sempre voltam".

No silêncio, acionei meu pensamento:

Como nos é urgente lançarmos boas sementes pela terra dos nossos caminhos, para que colhamos os nossos sóis pelos amanhãs do tempo, os de “Direito” de todas as manhãs que alvorecem na Terra, no legítimo e mais nobre Santuário, o sagrado templo de todas as vidas.

Nota da autora: fato verídico, nome fictícios.