CARROÇAS

(Diário de minhas andanças)


“Todo adulto,por mais que se esforce,jamais conseguirá livrar-se totalmente do menino que um dia foi”
(Érico Veríssimo)



Todo menino,declare ou não,preserva na memória a rua de sua infância.Eu não a escondo.A rua de minha meninice era denominada “Rua do Fomento”.
As pedras que hoje lhe revestem sufocam ecos de alguns dos mais ternos momentos de minha existência.
[E naquela rua passavam carroças...]

Carroções de colonos vindos da Colonia São Lourenço.
Em janeiros de tardes quentes,carregados de feijão à ser malhado.
Em manhãs de inverno,carregados de feno seco.
A piazada da minha rua,e eu,empoleirávamos clandestinamente atrás dos comboios.Vez e outra,uma chicotada de algum condutor mau humorado,nos roçava “delicadamente” na altura das orelhas.

Findo o trajeto,retornávamos.Algumas vezes pisando sóis de janeiro e a nossa rua tinha o cheiro das peras,das ameixas...

Noutras,entretecidos na teia da neblina,transformávamos em pequenos pontos opacos numa ruazinha cheirando à café.
[Éramos felizes]

Os sábados tinham ares festivos.Carroças enfeitadas,noivos,sanfonas,violinos,cantigas desafinadas...
Foguetórios,pelegos coloridos,flores de crepom...
[Casamentos!]

Uma vez mais,das colônias eslavas para cartórios e igrejas de Irati.
Nestas manhãs,que cheiravam à “suspiros em forno de lenha”,estávamos nas portas da bodega do Adélio.Juntávamos à simpatia de dona Labibe,a doceira, e acenávamos nossas ingenuidades à alegre comitiva...
[De carroças]
Nesta mesma rua,quando gabirobeiras e sabiás delatavam dezembros,era “de carroça” que acompanhávamos a família Zainedim à caminho da mata em busca de musgos,bromélias e pinheirinho.
[Natais singelos.Éramos felizes!]
Havia a carroça do Sr. Iarema,sempre carregada de leite,requeijão e queijo.Rasgava a campina ladeada de cedrinhos à caminho da cidade.
A carroça de tio Elias,impregnada do cheiro da “Glostora” que ele não dispensava.Perdia-se por estradinhas sinuosas como que à procura dos sonhos que sua faceirice acalentava.
A carroça de Ruth,lembrava um brinquedo.Era colorida e conduzida por um único cavalo .Aportava à rua conduzindo Maria (nossa professora).
[Ruth e Maria,amigas inseparáveis.]
Gratificante era acenar à mestra.
Aquela antiga olaria ,que as chamas devoraram,urrava num apito das dez e meia e o velhinho sorveteiro era,talvez,a nossa mais feliz espera no trecho.

O rio das Antas, com águas claras de então,banhava o seio das avencas e,ao lado da ponte,a piazada da minha rua selava amizades ,ungidos aos sabores de groselha e chocolate.
A carroça de tia Flora, com aquêle seu jeito polaco de ser,à caminho dos moinhos de cereais...
As rodas sulcando o chão,provocando resmungantes queixumes e eu,ao seu lado,ouvindo histórias de uma Polonia distante edificada tão sòmente em seu imaginário.
A carroça fantasma,revivida à beira de fogões à lenha sob a luz de lampeões.Chegava em geladas noites do Sul ,de céus marejados,nas “horas mortas”.
[Olhares soturnos das velhinhas de minha meninice provocando-me temor e medo do escuro.]
Silenciosas noites dos tempos de piá,entrecortadas por aros de rodas “de carroças”,estalar de chicotes , um e outro assobio.
Por vezes tão melancólico quanto o uivo de um cão vadio ou um coiote lamentando às trevas o nó de suas soledades.
Carroças,carroças,carroças...Nostálgicas,românticas,cheias de enredos.
Foram tantas a traçar arabescos por caminhos à mim destinados,que hoje embarcado no carroção do tempo,sinto um desejo incontido em falar de...

CARROÇAS!


Joel Gomes Teixeira