A INDIGNAÇÃO DE RUI BARBOSA
Certa vez o ex-presidente Fernando Henrique disse que ele tinha, ou quase todos nós tínhamos, um "pé na cozinha". Quase o lincharam.
Qual é a razão de não assumirmos a nossa condição mestiça. Por que esta dificuldade de reconhecermos a nossa origem. É interessante que quanto à cor da pele gostamos do bronzeado, gostamos de nos expor ao sol para "tomar cor". É notória a nossa preferência pela cor morena. Talvez se trate de um claro indício, embora inconsciente, do reconhecimento da nossa origem miscigenada.
Estranha queda pela cor e repulsa pela origem.
Nos primórdios a nossa elite desejava ser européia especificamente francesa. Hoje o sonho é ser americano. Essa utopia segue o seu curso nos dias de hoje, com a adoção, por exemplo, de um vasto vocabulário da língua inglesa em substituição a expressões correlatas do nosso português.
Uma ocasião, sob os auspícios da primeira dama, Nair de Tefé, esposa do Marechal Hermes da Fonseca, a compositora e pianista Chiquinha Gonzaga apresentou-se em um sarau no Palácio do Governo, executando apenas músicas populares, em especial um tango maxixe chamado "Corta-Jaca".
Foi um escândalo na República. O grande Rui Barbosa, que havia perdido as eleições presidenciais exatamente para o Marechal Hermes, assumiu a tribuna do Senado para com veemência deplorar o achincalhe representado pela apresentação de uma música menor, vulgar, essencialmente popular, incompatível com a dignidade nacional.
Referindo-se ao maxixe o Conselheiro afirmou tratar-se da "mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, a irmã gêmea do batuque, do cateretê e do samba". Como a recepção em Palácio contou com a presença do corpo diplomático, a "vergonha" teria sido maior, gerando rubor nas faces e até revolta, no dizer do inolvidável jurista.
Este fato denota com clareza a verdadeira ojeriza da elite pelas nossas genuínas manifestações culturais. Na verdade, ojeriza que venceu o tempo e ainda perdura até os nossos dias, embora com menor intensidade.