Assim ou...nem tanto 43
“ A nossa pálida razão esconde-nos o infinito”
Arthur Rimbaud
20 de Julho
Uma Casa de Estudantes é um lugar sempre estranho. A turbulência existe dentro dos rapazes e pode, pontualmente, passear-se em calção e tronco nu. Pode, também pontualmente, gritar à noite na escada do andar térreo para o quarto andar e acordar os de sono leve que são raros. O resto era, naquele Lar do Estado, uma ordem tutelada por regras duras e a ditadura, que deixava livres os alheados, existia para lá da varanda em qualquer lugar que se quisesse considerar e funcionava opressiva. Via-se nos “gorilas” que garantiam a ordem na Faculdade, no medo de conversas públicas, em frases vulgares tais como “a minha política é o trabalho” ou ardia em bastonadas nas costas durante as contestações ao Regime. Aquele Julho de 1969 estava a ser muito quente e muitos dos estudantes, livres de exames da primeira época, espalhavam-se pela sala das refeições para ver a Apolo XI chegar à Lua. Muitos cansaram-se da espera a seguir, outros, incrédulos, preferiram dormir e apenas seis dos 42 utentes ficaram para ver a História acontecer entre os assobios no som das transmissões e o cinzento das imagens. Finalmente Nell Armstrong saiu da Cápsula, marcou a pegada no solo lunar e disse a sua frase célebre. Quando, por fim, acabou a reportagem em direto, já havia sol e o pequeno-almoço serviu-se a seguir. No quarto que partilhava com outro estudante, já Adelina fazia as camas e interrompia a tarefa para insistir que não acreditava, que era tudo pantominice. - “ Eu acredito, menino, quando vir, com estes olhos que a terra há de comer, uma fotografia da Lua com os astronautas ao lado”. Para ela a Lua era pouco maior que um queijo das Ilhas. Faltavam-lhe as letras, as leis da ciência, a capacidade para analisar o Feito. Era feliz com a vida que tinha na qual cabia um infinito só dela: próximo, bonito, maneirinho.