Quando o absurdo vira regra
Faz um tempo publiquei no Recanto um texto que gerou polêmica. Leitores módicos mas de inquieta avidez por contestações imediatas fizeram do meu escrito um festival de comentários levianos, que não correspondiam com fidelidade à idéia que ele expunha. Apenas um deles foi capaz de assimilá-la com algum êxito.
Tratava-se de uma crítica aos padrões modernos de poesia e às tentativas desastrosas de popularizá-la.
Distante agora meu intento de tornar a falar sobre esse assunto, gostaria apenas de citar um comentarista que, não satisfeito apenas em opor-se ao que escrevi na ocasião, defendeu a posição de que estaria eu sendo muito rígido com os menos destros na prática da escrita quando apontei a óbvia necessidade do exercício e aprimoramento constantes às técnicas inerentes ao ofício da letra, para que saiamos da podridão onde se encontra a literatura brasileira atual. Nada mais razoável, acredito.
Não contente em opor-se a tão basilar necessidade de qualquer um que se diga escritor, meu comentarista — após livrar-se de qualquer resquício de brio e envolver-se num orgulho porco — afirmou que mesmo amando escrever, não dominava as regras inerentes à pratica, e por isso eu devia refletir a respeito das minhas convicções. Como se a paixão de um médico pela profissão, por exemplo, alheia ao estudo e à experiência, curasse algum enfermo.
Ora, se este amor pela escrita é tão forte, acomodar-se tranqüilamente e, em vez de praticar e praticar, obrigar o outro a adequar-se à sua própria inépcia não é manifesto muito convincente de tão fervoroso amor.
Interessante foi que essa pessoa, na medida em que transcorreram os comentários, pois também chafurdei na lama que se formou abaixo do meu texto, essa pessoa configurou-se no estereótipo perfeito do que havia condenado. Ela nem se deu conta.
O pior é que eu me saí como orgulhoso, exibido, por exigir mais empenho dos que considerava — e ainda considero, porque verdadeiramente são — inferiores e precisam, antes de aventurar-se por terreno desconhecido, aprender a pôr os “erres” nos infinitivos e entender a abismal diferença entre “mas” e “mais”.
Pergunta final: não é maior sintoma de orgulho e egoísmo intentar em convencer o outro de que ele, e não si próprio, é que deve limitar-se aos baixos padrões que delineiam o singelo e agradável campo da burrice?