Diários de solidão - II - Terça 27
A família chegou para fazer um piquenique. Estava uma delícia ficar ao sol. Passava uma arara, uma borboleta. Era um lugar isolado. Pouco se ouvia de vozes humanas, exceto as que estavam dentro da minha cabeça e a da criança muito empolgada por estar passando um tempo com seus pais. Isso era plena quarta-feira regular. Os pais abriram suas sacolas térmicas, tiraram pequenas vasilhas com comida. O vento soprava forte. À frente, só uma serena e profunda piscina que colaborava para um dia mais frio. Queria congelar esse dia pra mim de modo que pudesse recorrer a ele a qualquer momento. Internamente, eu contemplava o silêncio, a serenidade, a solidão, o outono e o inverno. Também sonhava com ele compartilhando esse momento comigo. Mas com prazer e tendo vontade de fazer isso: sem que eu precisasse obrigá-lo. Prefiro a solidão a ter alguém que não esteja inteiramente comigo.
Eu fumava. E olhava pro lago. Eu fumava e olhava pro céu. Eu balanceava a poluição dos pulmões com o ar puro que de tempos em tempos eu puxava de uma só vez.
O casal era claramente moderninho, com seus cortes de cabelo vintage e suas camisas xadrez. Davam ao filho o presente mais importante que podiam: tempo de qualidade. Atenção, afeto, diálogo.
Ao mesmo tempo que eu queria sua presença, eu tinha plena consciência de que ele não merecia alguém com meu perfil psicológico. Eu queria sempre me sentir só, ainda que acompanhado. Só ficar em silêncio em seus braços. Como perdíamos tempo separados! Como ele ganhava tempo estando nós separados!