MENINOS EU VI (REPUBLICAÇÃO)

Acabo de ver no “Jornal Nacional” matéria sobre as escolas públicas do ensino primário em pequenas cidades do norte e nordeste do país, mostrando o drama das crianças, jovens e até adultos que buscam alfabetização.

“-Eu já vi esse filme antes”, pensei com os meus botões. Fui ao meu computador e localizei o texto, crônica de agosto de 1989, há vinte sete anos atrás e que agora republico aqui no “RDL”, para mostrar que a “pátria educadora” é uma falácia e que a educação no Brasil continua de mal a pior, como muitas outras coisas mais. Eis o texto:-

“Visitando meu mano Rubinho, dedicado veterinário da “EMATER”, empresa da qual o governador mineiro Newton Cardoso faz pouco caso e, praticamente, esvaziou na sua gestão, na cidade interiorana de Ibertioga, encravada na região das vertentes da Mantiqueira, fui na companhia dele levar a sua esposa Maria, professora estadual do Curso Primário, até a Fazenda Santa Rita, onde ela ensina crianças da 3ª e 4ª séries.

Distante 22 km do município, chegamos à fazenda transitando por sinuosa estradinha de terra, calorão brabo, atropelando no caminho uma cobra jararacuçu de mais de metro e, não raro, tendo que descer do “Fiat” para espantar o gado dolente, ruminando, deitado bem no meio do caminho.

Ao chegar, meio dia, sol a pino, os alunos nos esperavam frente à escolinha rural, velha construção rente aos galpões da fazenda, numa sala de 10 metros quadrados, se muito.

Meninos, eu vi:- a minha cunhada, por um salário minimo mensal, dava aulas simultaneamente para duas turmas, 3ª e 4ª. series , no mesmo horário, na mesma sala, das 12 às 16 horas. À direita, os meninos da 3ª serie e, na outra metade da sala, as carteiras viradas em sentido contrario, com os garotos da 4ª serie. Um quadro negro em cada extremidade, ambos utilizados pela mesma orientadora.

A professorinha fazia, diariamente, dois planos de aulas e se esforçava para não embaralhar as lições. Imaginem vocês os alunos, os da 3ª e os da 4ª series, espalhados pelas velhas e carcomidas carteiras, cada qual procurando se concentrar na lição do dia?...

Os garotos se perfilaram, sorridentes. Saudaram a mestra e entraram cerimoniosamente na salinha. Reparei nas suas vestimentas pobres e nos seus pés descalços, nos seus olhinhos tristes, nos dentes cariados e nas peles escalavradas:- era o retrato do nosso Brasil caboclo.

Enquanto isso o nosso presidente (ah, o presidente!) passeava pelo Japão, onde fora acompanhar o enterro do Imperador Hiroíto, um homem que, em vida, talvez nem soubesse direito onde fica o Brasil.

Por outro lado, o presidente em exercício, um tal Paes de Andrade, cearense, se apressou em viajar à Fortaleza, no Ceará, com grande comitiva ministerial e de lá esticou a visita até Mombaça, sua terra natal, encravada no sertão nordestino, apenas para se ver abraçado e reverenciado como Presidente da República. Garanto que até placa de bronze, comemorando o evento, mandaram providenciar. Quanto teria custado a brincadeira???...

A professorinha Maria e os meninos descalços da escola estadual da Fazenda Santa Rita, nas vertentes da Serra da Mantiqueira, que esperem. Eles não são importantes para o Brasil atual!..."

-o-o-o-o-o-

B.Hte., 27/08/1989

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 26/04/2016
Reeditado em 27/04/2016
Código do texto: T5617425
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