A ditadura dos Pardais...

Ponte que partiu!!!

Fui multado três vezes na mesma semana em Niterói, cidade do Rio de Janeiro...

Estava andando numa velocidade média de 70 Km/h e o horário era a madrugada. Não havia carros, nem transeuntes na pista, não havia risco de atropelamento, nada...a pouca iluminação, o breu que se manifestava ali, ao longo daquela avenida, anunciava um céu estrelado, um clima muito bom pra namorar e paradoxalmente indicava perigo de assalto! Ali na alameda perto da meia noite é um horário ideal pra gente ser seqüestrado, roubado, extorquido e etc...

A ironia é que o seqüestro que me maculou ódio na alma, não surgiu em nenhuma versão vinda das classes mais baixas da sociedade. O assalto que me acometeu não veio da favela, não emergiu da periferia, o roubo que sofri ali, não tem absolutamente nada a ver com o tráfico de drogas, ou dos contraventores de jogos de azar

( popularmente chamado de bicheiro). O seqüestro que eu sofri foi de uma sofisticação extraordinária, ele veio uma semana depois pelo correio. Chegou no endereço de minha casa, veio em nome do DETRAN em forma de “MULTA”.

A “MULTA” aqui eu chamo de “PEDIDO DE RESGATE”, me obriga a pagar o “SEQUESTRADOR”(leia-se Estado) sem direito a negociação. Quando a multa vem com a foto do carro, só pagando o “RESGATE” é que conseguimos resgatar o nosso direito de ir e de vir. Preciso é pagar o resgate para recuperar a validade da carteira de motorista e da documentação do carro. O pior é que, neste caso, não pude nem denunciar o seqüestrador pra Polícia Federal, nem pra polícia anti-seqüestro do RJ. É o único caso que o sequestrador não se esconde da família do sequestrado.

Motivo do seqüestro?

O bobo aqui estava com medo de dirigir à 40 Km/h (era o que indicava a placa de fiscalização eletrônica numa avenida de alta velociade) de madrugada porque poderia ser um alvo fácil de quadrilhas de roubo de carro.

Estou indignado com o assalto no meu bolso legitimado por representantes do serviço público através da prefeitura desta distinta cidade!

Há um roubo anunciado! “Nunca na história deste país” houve roubo tão cristalino, transparente, nunca se viu ou ouviu um assalto tão honesto quanto este. E o pior, este roubo ocorre constantemente no bolso de cada motorista que pilota seu carro nos limites deste mapa. Há uma cauterização coletiva com relação aos assaltos do Estado aos cidadãos de bem. Nós simplesmente nos acostumamos.

Alguns de vocês podem argumentar:

__Mas os pardais servem pra educação no trânsito!

E eu diria:

__Se o argumento é diminuir as mortes e acidentes no trânsito, paremos de enxugar o gelo...vamos direto na causa. Porque não há uma lei que obrigue as montadoras a fabricarem automóveis com um velocidade máxima permitida? 130 Km/h? 110 Km/h por exemplo?

Porque o ônus dessa educação de trânsito só recai sobre os ombros dos motoristas e não das montadoras? Porque há uma omissão na hora das autoridades eleitas por nós cobrarem das montadoras a parte que lhe cabe nesse particular? São questões que não há político que denuncie.

Nós já estamos acostumados às ditaduras!

Primeiro surgiram as Makro ditaduras. Os nossos colonizadores durante séculos e mais séculos usurparam o nosso bem comum: Pau-Brasil, ouro, café! A monarquia e a escravidão são as duas maiores vergonhas da nossa história! Logo em seguida, a velha república nada mais foi do que uma ditadura disfarçada...Esses formam a gênesis das ditaduras configuradas no HD do nosso país. Daí em diante o que nós vemos é a mudança de maquiagem, de pintura, de vestido, de gestual, mas o corpo é o mesmo, a identidade e o CPF continuam sendo da senhorita ditadura.

Os processos políticos e suas mutações mudam de cara, de jeito, de regras, porém, a formatação da ditadura, sempre presente. A república nova, a ditadura militar, são mutações mais recentes de um mesmo vírus que infectou o nosso tecido social desde que os portugueses trouxeram o fado e a sífilis pra esta terra cheias de palmeiras onde cantam os sabiás.

Quando a democracia chegou, acreditamos que o vírus tinha sido eliminado, surge uma esperança, um alento. As eleições presidenciais de 1989 foi concomitantemente uma vitória e decepção sobre a corrupção que continuou ocorrendo. Leis descabidas e fora de contexto, foro privilegiado, impunidade, Hiiiii...uma lista interminável.

A nova versão da ditadura é a ditadura econômica...Os economistas se tornaram os sacerdotes e profetas que prevêem o futuro da população! Não há ditador que congele preços, que controle as leis de mercado, de demanda, a iniciativa privada...não há terrorista que derrube a bolsa de valores. Como toda ditadura, esta não há coração nem alma, o que há é pragmatismo, CGC e Inscrição Estadual.

A onda agora é uma versão mais sofisticada ainda... originada da ditadura econômica, são as “micro- ditaduras”.

As micro ditaduras são muito piores porque invadem alguns dos nossos fóruns mais íntimos!...Nosso amigo jornalista Tim Lopes morreu por causa do Narco-tráfico! Foi preso, julgado, torturado, condenado a morte numa mesma noite. As favelas Vivem um período da narco-ditadura, de terror.

Mas não é sobre isso que eu gostaria de escrever! Gostaria de escrever sobre a ditadura dos pardais!

Não estou aqui me referindo aos passarinhos que já sofrem tanto com a insensibilidade humana com relação à fauna e a flora, mas a ditadura desses pardais verdes que não tem canto, não tem poesia, nem vôo, apenas uma câmera. Esses pardais não se encontram nas matas tropicais, nos parques e nem são presos em gaiolas. Esses pardais não são animais, não fazem seus ninhos em galhos de árvores e nem alimentam seus filhotes...

Esses pardais são máquinas de última geração programadas para fotografar as placas dos nossos carros, se penduram em postes de ferro, se protegem com grades das pedradas dos motoristas mais irritadiços, são chancelados pelo IMETRO, se encontram nas avenidas e estradas mais comuns de todas as nossas cidades! Em linguagem policial são verdadeiros X9 do tráfico...me corrigindo, do trânsito.

Esses pardais anunciam o roubo legitimado pelo poder público. Fazem do espaço das ruas e avenidas um imenso Big-Brother. Só que tem uma diferença, esse reality show não é feito para entreter nem fofocar, mas para seqüestrar o dinheiro da gente!

__Reconheço, poderia até ser um grande instrumento de educação de trânsito. Mas aqui no país das micros-ditaduras...todo antídoto

torna-se veneno. Assemelha-se a nossa democracia que tem como objetivo emanar o poder do povo, contudo esta mesma democracia nos “obriga a votar”. De igual modo, os pardais que se legitimam através da justificativa de educar os motoristas, tornaram-se a última versão desta inversão de valores, a versão mais monstruosa de saquear a população.

Aqui neste país tupiniquim, em se tratando de políticas públicas, tudo que começa de forma legitima, tudo que é racional, tudo que é bom, justo e honesto, acaba sendo corrompido por uma ditadura, por um interesse econômico. A ética profana se converte a religiosidade das micro-ditaduras, numa cadeia alimentar onde o maior se alimenta do menor, e o mais rico expropria o mais pobre.

Viva a ditadura dos pardais!!!

FlavioFerr
Enviado por FlavioFerr em 12/07/2007
Reeditado em 16/07/2007
Código do texto: T561417