MULHERES   CONJURADAS
nas Minas Setecentistas
 
Quando o movimento mineiro do século 18 inspirado nas ideias iluministas é ensinado nas escolas e nos livros didáticos parece que ele se fez apenas pela masculinidade de seus líderes. É certo que aquela época era marcada pelo fazer, agir e pensar do homem, uma vez que a mulher ainda não havia conhecido a sua emancipação e ascensão política.
 
A elas cabiam os arquétipos que a sociedade machista e sexista lhes impunha:  sinhás, sinhazinhas e senhoras. Se sobressaíssem eram vistas como “Santas” ou “Bruxas”. Até as prostitutas eram “enquadradas” dentro do mundo masculino: existiam como pecadoras para atender às vazões das necessidades naturais dos homens solteiros e casados.
 
Mesmo submetidas neste mundo feito para os ditames masculinos, elas também sentiam. Não só sentiam, pensavam. Não só pensavam, elas também agiam. Sentiam, pensavam e agiam segundo as suas ousadias lhes permitiam extrapolando os limites de liberdade mínimas concedidas e conseguidas ao que eram: o feminino na humanidade.
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Uma das maiores ousadias fora cometida por aquela envolta pela nebulosidade de seu disfarce. Este foi tão eficaz que a colocou em total anonimato,  pois não se soube quem era  e se de fato era uma mulher. Estamos falando da figura que agiu naquela  noite avisando que a conjuração tornara-se uma inconfidência às vistas do governo português nas Minas coloniais. Tôrres  escreve assim:
“Um vulto misterioso, envergando trajes de mulher e com um grande chapéu desabado, andou avisando aos conjurados, ou supostos tais, que a situação se tornara perigosa. Isto às 20 ou 21 horas na noite de 17 de maio de 1789, o que, para a época, era  uma tardia hora da noites. Este ‘rebuçado’ ou ‘embuçado’, varou Ouro Preto de ponta a ponta, anunciando a desgraça próxima. Ignora-se quem seja.”
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Outro vulto de expressão, no contexto das feminilidades, foi a autora do seguinte bilhete:
“Tiradentes foi preso no Rio. Quem não é capaz para as coisas não se meta nelas. É melhor morrer com honra que viver em desonra. Quem não reagir será preso. Convoquem a tropa do Serro e façam um ‘Viva o Povo’.”
 
A pessoa em questão é Hipólita Teixeira de Melo Carvalho, que designou Vitoriano Gonçalves Veloso, alferes do Terço dos Pardos em Prados, a avisar os conjurados do que ocorrera no Rio de Janeiro.
 
Ela morava próximo  à Serra de São José no Caminho Velho, via que ligava Paraty à Vila Rica, na Fazenda da Ponta do Morro.
Segundo Rodrigues “Hipólita é citada em dois episódios registrados nos Autos da Devassa. Ela tinha pleno conhecimento das discussões sobre o levante que se pretendia fazer nas Minas Gerais e participava ativamente em 1789. Ela destruiu uma denúncia completa que Francisco Lopes escrevera para levar pessoalmente ao governador Visconde de Barbacena delatando o movimento. Também ateou fogo em todos os papéis que julgou poder incriminá-los... Dona Hipólita não escapou das punições. Acusada de participar da sedição perdeu todos os bens e ainda ficou sem direito à partilha conjugal.  Inconformada com a sedição, escreveu diretamente ao Secretário do Ultramar, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, em Lisboa. Argumentava que boa parte do patrimônio sequestrado era herança paterna. A estratégia deu certo. Com despacho favorável, recuperou sua fazenda da Ponta do Morro e alguns bens que restaram. E conseguiu resguardar o patrimônio.”
Seu marido, o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes era companheiro do Alferes Joaquim José da Silva Xavier no Regimento de Dragões de Minas. Ela viu a Independência do Brasil acontecer, pois vivera quase 80 anos vindo a falecer em abril de 1828 e tinha nascido em setembro de 1748.
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Bem atuante no movimento da Conjura foi Bárbara Heliodora Guilhermina da Silveira. Ela trazia consigo o atavismo de liderança, pois era neta de Amador Bueno, o aclamado em movimento anterior aos episódios do século 18. Era esposa do Coronel Inácio José de Alvarenga Peixoto, o conhecido poeta. Nasceu em 1759 e faleceu em 1819.
 
Além de saber do movimento seu mérito está, segundo Tôrres,  em desanimar Alvarega Peixoto de denunciar o movimento conforme ele pensou ao ver que as autoridades haviam descoberta as intenções dos conjurados.
O casal tivera como filhos Maria  Efigênia, José Eleutério, João Evangelista e Tristão Antônio. A menina também   entra para os ‘autos’ do movimento. “Consta de vários depoimentos que em casa  recebia título de... ‘Princesa do Brasil’.... título subversivo, pois o herdeiro da coroa de Portugal gozava do Tratamento de ‘Príncipe do Brasil”.
No ano da denúncia do movimento (1789) “os bens do casal foram sequestrados em 13 de dezembro... Orientada por amigos, Bárbara Heliodora enviou um requerimento ao governador de Minas, o Visconde de Barbacena, alegando que era casada com comunhão de bens e, conforme a lei, era necessário abrir um inventário e dividir o patrimônio. O pedido foi logo atendido e somente a metade de Alvarenga Peixoto foi confiscada...   só que Bárbara ainda não parecia satisfeita. Para preservar todo o patrimônio familiar tratou de encaminhar cartas ao seu compadre João Rodrigues de Macedo implorando que o amigo arrematasse o montante de Alvarenga num leilão. Proprietário do imóvel da Casa dos Contos em Ouro Preto, ex-contratador de entradas e dízimos...  Macedo comprou tudo e ainda se prontificou a pagar as dívidas... Com seu temperamento forte passou a administrar os negócios com firmeza e ampliou bastante o patrimônio deixado pelo marido. Comprando e vendendo escravos e terras, contabilizava lucros líquidos de quase cinco contos de reis ao ano, rendimento bem superior aos de propriedades das redondezas” segundo nos conta Rodrigues.
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Aquela que veria o Brasil politicamente independente, uma vez que nascera em 1767 e morrera em 1853, fora Maria Dorotéia Joaquina de Seixas, a Marília de Dirceu imortalizada por Tomás Antônio Gonzaga.
 
Há quem especule que sua participação ativa está no fato de que a pessoa misteriosa encapuçada naquela noite de maio daquele ano tenha sido Maria Dorotéia. Esta figura feminina da conjura também veste a fantasia daqueles que a chamam de “Noivinha da Inconfidência” e, além, daqueles que a envolve nesta personagem misteriosa de mulher encapuçada.
 
Torres, fiel ao atavismo historiográfico do século 20 e posterior à proclamação da república brasileira, notifica:
“Maria Joaquina Dorotéia de Seixas, jovem de grande formosura, pertencia a uma das mais ilustres famílias da capital de Minas. Muito nova ainda tornara-se noiva do já maduro e quarentão desembargador Gonzaga, que imortalizaria por seu estro e, a crer no que escreveu, por seu amor. Era a inspiradora do grande poeta e o centro do romance de amor da Inconfidência... Heroína sem ter conspirado, apenas noiva de uma das vítimas... Marília terminaria entrado suavemente pela História como uma figura de mártir da Independência... já velhinha, as pessoas que iam a Ouro Preto visitavam-na, num testemunho de veneração e respeito à sobrevivente dos que haviam sonhado pelos ideais de independência nacional e liberdade política.”
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Se vê assim que a mulher  também atuou na revolta mineira dando suporte, pensando e agindo conforme suas possibilidades. Muito além de sorrateiras, santas, místicas e bruxas, elas tinham consciência de seu papel político Elas estavam além de arquétipos e estereótipos que a sociedade machista queria lhe impor.
 


Leonardo Lisbôa
Barbacena, 22/04/2016




 Referências:
RODRIGUES,A.F.–Bravas Inconfidentes
http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/bravas-inconfidentes
TÔRRES, J. C. de O. –História de Minas Gerais – V. 3 Difusão Pan-americana do livro B.H. p. 700, 730, 731
 


 


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Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 23/04/2016
Reeditado em 24/04/2016
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