Sobrevivente

Mais uma hora, ali ao lado dele, ela velava. Dias e dias, a seu lado, em pé. As macas se acumulavam nos corredores do grande hospital público. Quase não havia espaço entre elas, uma temeridade, quase promiscuidade. Os médicos se revezavam atendendo a um número crescente de enfermos e acidentados que chegavam ao Pronto-Socorro. Não havia leitos disponíveis nas enfermarias, somente macas e mais macas sendo levadas para lá e para cá, quando algum procedimento se fazia necessário aos pacientes. Seu choro convulso e ininterrupto, com o passar dos dias, transformara-se em resignação: não havia outra saída, outra solução. Com o tempo, além de estar ali ao lado de seu amor, atendendo a seus gemidos aprendera que podia ser útil aos outros pacientes e também auxiliar o corpo de enfermagem que se desdobrava entre tantos chamados. Matava a sede de alguns, levava utensílios para que pudessem esvaziar suas bexigas, levantava a cabeceira das macas e, com alguma dificuldade, já sorria e conversava com os outros pacientes, solidarizando-se com a dor de cada um. Aprendera, na escola da vida, que podia ser melhor, que podia ajudar com um sorriso, com uma atenção, com um copo de água.