Apenas uma criança!

Eu nunca escrevi publicamente sobre isto. Sempre reservei aos mais íntimos, achegados, aos próximos. Mas, hoje, no final da noite, um aluno me escreveu uma mensagem. Dizia, entre outras coisas, que estava bastante chateado, triste mesmo e me perguntou se poderia compartilhar. Então, ele passou a contar que havia sido agredido verbalmente, junto com outro colega. Disse-me que rolava por bocas miúdas a “estranheza” de que ele seria gay, ‘viado’ e ‘bicha’. E antes que eu dissesse que isso não é xingamento, portanto ele não deveria se ofender... ele escreveu denunciando o ódio, deboche e violência que transpassavam aquele episódio. Contou que teve medo pelo amigo, medo por ele, medo por aqueles desconhecidos que vivem cotidianamente a agressão veemente de ser diferente, estranho, singular.

Eu fiquei com um nó na garganta.

Depois o nó se desatou em lágrimas.

E por um instante eu só ouvia o próprio soluço contido. Afinal, são apenas crianças e, lamentavelmente, já conhecem o lado obscuro da razão.

Eu também era apenas uma criança quando fiz as minhas primeiras experiências de exclusão e negação. Ali, ambientado na escola, enquanto eu andava pelos corredores, nas aulas de educação física, na fila da oração ou da merenda eu pude conhecer o êxito da mentalidade racista e discriminatória que me lançava ao lugar inferiorizado seja por ser filho de mãe solteira, por ser pobre, por ser negro, ou ainda por meus trejeitos efeminados.

A escola me ensinou as baixas classificações que eram atribuídas a mim a partir de uma escala de desigualdades sociais, econômicas, raciais e de gênero, pois conhecer esses sistemas classificatórios significava conhecer os meus pertencimentos, os lugares que eu deveria ocupar na hierarquia social e nas estruturas básicas de minha personalidade. Isto é: não ser oriundo de uma família ‘papai-mamãe’, não ser rico, não ser branco, não ser hétero, tornava-me incapaz de SER ALGUÉM. Tratava-se de uma inexistência ignorada e impossibilitada, era uma vida-que-não-podia-ser-vivida além da lógica homogeneizante.

‘Ser-no-mundo’ como ‘alguém’ de ascendência fincada na DIFERENÇA, muitas vezes, foi experienciar o constrangimento movido pelo discurso formulado por brados que são ditos, permanecem ditos e, infelizmente, estão por dizer e ferir. Por consequência, aprendi a reagir e a contrapor-me! Aprendi, como aluno, a repugnância por todas as formas de rejeição e descarte da dignidade humana e, assim, aprendi que ser professor é ser algo a mais.

Um dia, na minha tenra infância, eu tive medo por mim. Minha mãe teve medo por mim. Os meus amigos também já tiveram medo por mim. Hoje eu tenho medo por quem, ainda criança, já tem medo.

Toni DeSouza
Enviado por Toni DeSouza em 22/04/2016
Código do texto: T5612459
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