"Não vai ter golpe!"
Da janela do passado assisto o presente!
Como professor de história, costumo dizer que o passado, embora seja um tempo que não volta mais, ajuda-nos a entender o nosso presente, pois, em alguns casos, há situações responsáveis pela reação psicológica que a língua francesa escreve ‘Déjà vu’, mas que pronunciamos ‘Déjà vi’, ou seja, “o já visto” a sensação de que estivemos naquele lugar, sem jamais termos ido, ou que conhecemos alguém, mas que nunca o vimos antes.
Ultimamente tenho feito essa experiência. Parece-me que alguns personagens do ‘ontem’ aportaram no ‘hoje’. E que os grupos conservadores do empresariado nacional, da classe média e militares que se sentiram incomodados com o projeto de governo de João Goulart, conhecido popularmente como "Jango", isso na década de 1960, são os mesmos que pintam as avenidas e as orlas do país de verde e amarelo, enquanto vociferam palavras de insulto, escárnio e ódio [e cá entre nós, é dispensável toda forma de cólera]. Esses se juntam a outros que erguendo placas pedem ‘impeachment já’, ‘fora fulana e leve o sicrano junto’, evidentemente que tais manifestações revelam um esgotamento generalizado diante da corrupção história e sistêmica em nosso país [eu também estou exaurido com os crimes do colarinho branco]. Ainda assim, não se deve sacrificar a democracia.
Afinal, a indecorosa corrupção, roubalheira, falcatrua e tramoia com o dinheiro público, ver-se praticada por alguns de lá e outros de cá. Existem sujeiras putrificando o assoalho deste partido e também daquele partido. Então, qual a razão para demonizar uma legenda partidária em detrimento de uma outra se, nos dois lados, é notório o que não presta?
Voltemos à década de 1960, especificamente ao ano de 1964. Naquela época o Brasil vivia um período de intensa turbulência política ligada ao mandato do presidente Jango. Tal instabilidade já havia se iniciado no ano de 1961, quando forças militares tentaram impedir que Jango assumisse a cadeira presidencial depois que Jânio Quadros resolveu abrir mão de seu mandato. Tendo uma ligação histórica com os setores trabalhistas, Jango era uma figura considerada demasiadamente próxima do pensamento político de esquerda que pretendia consumar as chamadas “reformas de base”, isto é, o amplo plano de reestruturação que iria impactar sobremaneira setores de tributação, políticas agrárias (democratização do uso das terras), educação (valorização dos professores, oferecendo ensino para os analfabetos), reforma bancária (ampliação do crédito aos produtores), eleitoral (ampliação do voto aos analfabetos e militares de baixas patentes), universitário (extinção das cátedras vitalícias nas universidades) e habitacional. Tal plano ganhava fôlego com o expressivo apoio de setores nacionalistas, esquerdistas e trabalhistas e, não por acaso, começava a incomodar!
Em decorrência dessa tensão inicial o regime político do Brasil deixou de ser presidencialista, passando a ser parlamentarista. Artimanha que, na prática, ocasionou o refreamento dos poderes políticos de Jango com a incorporação da ‘pessoa’ de um Primeiro Ministro integrando o Poder Executivo. Por conseguinte, o mandato de João Goulart foi transcorrendo sem a sombra ameaçadora de um golpe político. No entanto, entre 1961 e 1963, os contratempos, em decorrência dos problemas sociais e econômicos existentes no país, culminaram no oportuno retorno ao sistema presidencialista.
Desse modo, por intermédio de um plebiscito, realizado em janeiro de 1963, o presidencialismo foi retomado e o presidente João Goulart passou a atuar com considerável poder. Com a agudez da crise econômica e da instabilidade política, Jango propôs reformas constitucionais o que, definitivamente, inquietou a elite brasileira mal-acostumada que, temendo uma alteração social que minorasse seu poder econômico e destronasse o status quo de prerrogativas e isenções perpétuas, desenvolveu as condições para o golpe de 64.
O fio embebido em material inflamável causou fogo e explosão em março de 1964, quando Jango, após um discurso abrasado no Rio de Janeiro, determinou a reforma agrária e a nacionalização das refinarias estrangeiras de petróleo. De imediato a elite insurgiu! O clero conservadorista, a imprensa conveniente, o empresariado ganancioso e a direita oportunista em geral aparelharam, em São Paulo, a famigerada "Marcha da Família com Deus pela Liberdade", que aglomerou cerca de 500 mil pessoas. O desprezo pelas tentativas de reforma à Constituição Brasileira e a defesa dos princípios, estabeleceram a tônica de todos os discursos e mensagens.
Em 31 de março daquele ano, os militares iniciam a tomada do poder e a deposição de Jango, declarando que o Brasil não tinha condições, naquele momento, de gozar plenamente da democracia. Em 9 de abril, foi publicado o AI-1 (Ato Institucional número 1), decreto militar que depôs o presidente e iniciou as cassações dos mandatos políticos. No mesmo mês, o marechal Castello Branco foi empossado presidente com um mandato até 24 de janeiro de 1967...
Bem, o que se segue é regado de dor, perseguição, tortura, sofrimento, desaparecimento e derramamento de sangue. É a típica história que precisa ser visitada e revisitada para a reafirmação do quanto é desnecessário todo e qualquer tipo de GOLPE. No mais, qualquer semelhança NÃO é mera coincidência!