Caminhando e cantando e seguindo a cultura da violência

Mais de dois mil rapazes caminham pelas ruas do Recife, cantando refrão de exaltação a um time de futebol. Rostos tensos de quem vai para uma guerra. É a torcida organizada “Inferno coral”, do Santa Cruz. A ideologia dessa galera é a violência. Saem de casa não para torcer pelo seu clube, mas para brigar com outros torcedores dos times rivais. Eles têm uma hierarquia. Eu vi em documentário no canal Sportv. Para subir na hierarquia, tem que se mostrar agressivo ao extremo com a torcida rival e enfrentar a polícia com a ira de um cão de guerra. Quem odeia mais, sobe no conceito da turma. Os mais traquejados não combatem apenas com socos e pontapés. Usam armas de fogo, facas, emboscadas, porretes.

No documentário, não se aprofunda o tema da violência dessas torcidas. Mostram as “organizadas” como torcedores fanáticos, mas nem insinuam sobre o rastro de destruição e selvageria que eles deixam por onde passam. Eu fiquei pensando aqui com meus dois pacatos neurônios: essa motivação toda desses jovens canalizada para a afirmação do poder popular e pela demanda de direitos básicos! Na segunda-feira, o cara vai trabalhar duro para o patrão, pegar pesado e ser explorado. Não percebem a força sutil de dominação, o que inclui a permissão de se sentirem supermachões nas torcidas organizadas, desde que voltem ao aprisco. A fúria que extravasa a insatisfação pessoal e o desencanto com a vida. Se o time ganha, bebem, cantam e trocam porradas. Se perde, também bebem, urram, quebram vidraças, batem nos rivais e desfilam com sua matilha.

A “organizada” do Santinha, um time popular e que tem a maior torcida do Nordeste, entoava um refrão: “Acabou o caô, o general chegou!” Geralmente, as torcidas organizadas se utilizam de termos militares. Afinal de contas, não é divertimento, é guerra! Todo time profissional tem uma torcida que se refere a si mesma como “esquadrão”, “comando” e outros termos beligerantes. Os “soldados” estabelecem entre si uma firme relação de unidade e afinidade, em modelo militarista.

Quando ouvi o “grito de guerra” dos beligerantes corais, anunciando que “o general chegou”, encadeei logo com as falas dos exaltados “coxinhas” de Facebook que pedem a volta dos militares. Seria a divisão “pé rapado” da direita mais hidrófoba.

O plácido torcedor do Santa Cruz, aquele que sai com amigos e família para ver seu time e acaba envolvido em batalhas campais, esse talvez jamais vai entender e avaliar os aspectos políticos, socioculturais e econômicos que fizeram com que esses batalhões fossem gerados. A maioria está deixando de ir a campo. Quem vai, torce para não dar de cara com essas milícias e ser confundido com o inimigo.

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Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 21/04/2016
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