Realidade anti-poética (A literatura como remédio)
Tento exaustivamente, dia após dia, acreditar que a vida é assim: esse soco no estômago que nos esmaga o ar de dentro sem nos dar alguma chance de respirar enquanto a queimação no intestino se prepara para jorrar tudo aquilo que estava guardado. Talvez em segredo profundo.
Confesso: estou cansado.
Cansado dessa luta poética de tentar encontrar poesia nas trevas.
Já resgatei fantasmas e ressuscitei mortos por muito tempo. Agora quero descansar.
A sobrevivência é um assalto por trás a mão armada sem nos dar uma única chance de pensar.
Com o passar do tempo, tornar-se-á essa náusea, menos pesada e mais palatável?
Minhas esperanças irão encontrar algum lugar seguro nesse território de grandes medos sem cessar?
Terá a minha angústia a mesma imensidão que já não cabe em meu espinhado e enferrujado coração?
Meu espírito está calejado.
Tudo parece uma batalha infinita entre a luz e a escuridão. Entre as algemas e a liberdade. Talvez seja esta, a nossa única espontânea religião: nadar contra si mesmo. Resistir às próprias ondas violentas que vem de fora para dentro sem termos a certeza de que encontraremos o chão.
Talvez a existência seja esta ilha abandonada por todos em nome do medo, da vaidade, do consumo desenfreado por mais desesperos, submetendo toda a nossa subjetividade a sorte de todos os vícios que nos deformam o rosto, a alma e o pensamento.
Da vida, a maioria é vítima e quase todos são cúmplices.
Quem espera mais que isso, morre delirando.
Eu não tenho cura.
O que aqui me sangra jamais se estanca. É a real e tortuosa agonia e o desprazer (este sofrimento pêndulo invocado pelo abismo da qual somos feitos) de buscar uma saída enquanto somos peças deste grande jogo sujo.
Os sonhos por aqui não passam de vultos assustados pelo vendaval da violência gratuita que assombra tudo e arrasta sem piedade e compaixão alguma, corpos de mulheres de favela pelo asfalto sob um sol escaldante onde suas vísceras fritam sobre um chão de civilização forjada para a manutenção e construção de mais impérios.
A literatura é o melhor remédio para tratar a melancolia da alma. Mas ela também tem o seu vencimento.
Espero morrer antes do prazo.
Jesus morreu acreditando.
Foi sacrificado.