Bolinhos de chuva

No meio da tarde fria e cinzenta de julho, meu amigo me ligou para comentar algo e falar amenidades, um ótimo break num dia de trabalho como os outros, meio de semana e coisa e tal. Lá pelas tantas, ele comenta:

- Sabe o que cairia bem agora? Uma xícara de chá com bolinhos de chuva...

Imediatamente fui catapultada para minha infância, época em que as mães raramente trabalhavam. A minha estava sempre presente, e para distrair filhos em férias (ou em dias de chuva) às vezes preparava, no meio da tarde, os tais bolinhos, que nada mais eram que a simplicidade de uma massa de farinha, açúcar, leite e ovos, misturados numa proporção que até hoje me é um mistério, visto que nunca havia uma receita a ser seguida. A massa tinha a peculiaridade de, ao ser pingada com capricho no óleo quente por uma colher manejada por mãos hábeis e carinhosas como as de minha mãe, formar bolinhas que se viravam sozinhas na frigideira, para dourar passivamente do outro lado. Razão pela qual, em casa, a tal guloseima se chamava bolinho-que-vira-sozinho.

E me lembrei de um prato cheio de lindas bolinhas de tamanho homogêneo, perfeitamente redondas e douradas, polvilhadas com açúcar e canela e cujo aroma se espalhava pela cozinha. E comíamos sem ter noção de que estávamos vivendo um momento mágico, que dificilmente se repetiria em nossa idade adulta.

Voltando à realidade, discuti então, com meu amigo, a impossibilidade de se preparar os tais bolinhos, ao que ele me retrucou com a praticidade das massas que se vendem semi prontas. Como purista que sou, neguei-as veementemente, e a conversa terminou com uma ameaça da parte dele:

- Vou te ligar quando estiver comendo bolinhos de chuva!

A tarde seguiu, igualmente cinzenta, quando, cerca de uma hora depois, ele me liga, boca claramente cheia, só para me dizer que estava, de fato, comendo bolinhos de chuva. Duvidei:

- Mentira, você está comendo pão velho e diz que são bolinhos, só pra me dar água na boca...

Cinco minutos depois, uma mensagem no celular: uma foto dele, expressão mista de triunfo e deboche, segurando um prato fundo, forrado com papel, cheinho de redondos, dourados e provavelmente cheirosos bolinhos de chuva...

Lembrei imediatamente de Rita Lee (''não me suicidei por um triz...'') e, ato contínuo, mandei-lhe em resposta um torpedo mal educado, na verdade uma só palavra: "danado!".

(Falha-me a memória, ou melhor, proíbe-me a decência - não era exatamente essa a palavra, mas algo que rima.)

No caminho para casa, vim calculando a quantidade de calorias por bolinho: imaginei umas 250, exagerando de propósito. Previ a inexistência de ovos em minha geladeira. Recordei-me de que hoje havia sido dia de faxina, a cozinha deveria estar impecável, a limpeza do fogão muito pouco encorajadora para frituras. E, por fim, já era quase hora do jantar, quando bolinhos doces fritos não seriam um bom incentivo para a alimentação saudável que tento exemplificar a meus filhos...

Mas deixe estar, meu amigo. Amanhã dou uma trégua no trabalho, faço uma visita surpresa para minha mãe no meio da tarde e, com cara de cachorro magro, digo que estou morrendo de vontade de bolinho-que-vira-sozinho. Maquiavélico de minha parte, sim, mas nada que se compare ao seu sadismo!