Assim ou ...nem tanto 41
A Manhã
“ Mãe, este velho é maluco!”, gritou a criança interrompendo o berreiro. O “velho” era eu e o menino estava cheio de razão quanto ao maluco. Aguento mal os barulhos e fiz-lhe uma careta para tentar desactivar o choro de muitos decibéis. Não contava com a denúncia nem estava preparado para ver aquela miniatura de gente, de dedo em riste, indicando-me para que não houvesse dúvidas. A mãe atirou-me um olhar assassino, talvez o número três dos seus olhares maléficos, e arrastou o garoto que retomou a gritaria. Saíam em direcção à esplanada assim tornada num inferno de gritos e ralhos. Fiquei a digerir o que me chamou o menino, agora duvidando que as grandes verdades saiam da boca dos pequenos. A realidade, contudo, é que tinham passado muitos anos desde o dia em que, também em prantos, fui à Escola a primeira vez. Tinham passado milhares de dias desde que, tapado apenas com um impresso com os meus dados pessoais sofri a inspecção para a tropa. A seguir conheci-te e então é que o tempo voou deveras. Ainda hoje me custa a acreditar como me aceitaste tão fraco de renda, tão sem sal de magro que era, tão incapaz de dizer que te amava sem corar violentamente. Depois as lutas, as conquistas sociais, os filhos que não tivemos mas que estiveram sempre no horizonte das nossas esperanças. Quando desististe de sofrer, quase sem que ninguém desse por isso, afrouxaste a mão que segurava a minha e o teu braço pesou mais. Tinhas ido embora. Ficou a despedida por fazer porque, nos teus olhos já não li senão distância. E a vida cumpriu-se assim. Agora, depois de pronto, ando até ao Café. Vejo tudo pelo caminho, conheço cães e gatos, vizinhos, árvores, sebes, quintais. Vejo coisas que nem sabia, de tão mínimas e volto por outras ruas ao lugar em que ainda amadureço os sonhos. Digo adeus a quem passa e canto vitória se, na dúvida, me acenam também. Converso com o mundo inteiro sem excluir nada nem ninguém. Talvez o miúdo tenha razão. Sou um velho maluco.