O roubo.

Odeio andar de ônibus. Só tem pobre, tirando eu, lógico. Mas meu carro tinha que dar o prego logo hoje. Droga! E esse povo, que povinho feio. E esse cara do lado do trocador. É muito mal encarado. Acho que tá olhando pra mim. Não gosto de julgar ninguém pela aparência, mas a blusa dele tá rasgada, e eu não fui com a cara dele. Deve ser um malandro. Ele tá me olhando. Hi! Passou a roleta. Tá vindo na minha direção.

Será que não tem nenhum policial nesse ônibus. Mas, e se eu gritar? Posso fazer papel de doida. Pelo menos espanto o cara. Ele tá do meu lado. Ai meu Deus! Se eu fechar os olhos e começar a rezar, pode ser que ele vá embora e me deixa quieta.

Um Pai Nosso e duas Ave Maria depois.

Bem, agora, já vou abrir os olhos e o cidadão de boa índole e altamente respeitável que eu julguei mau já deve ter descido do ônibus e,..., droga, esse cara com cara de ladrão ainda tá do, êpa! Cadê meu relógio? Mas, mas,... no pulso dele? Como? Eu não acredito! Ele está usando meu relógio? Ele me roubou. Mas foi tão rápido! Há, desgraçado! Filho ...! Ele vai ver.

A mulher se aproxima e no ouvido dele, bem baixinho diz:

- Não diga nada, não se mecha, eu sei de tudo. Me de o relógio e não diga nada.

Ele a olha como se não entendesse sobre o que estava falando a tal mulher. - Cínico! – pensou ela.

Muito séria e objetiva ela repete.

- Eu não estou brincando. Me de o relógio ou eu faço um escândalo. Eu sei de tudo. Eu faço um escândalo. Me de o relógio e não diga nada, eu sei de tudo. Eu não estou brincando.

Vagarosamente o cidadão, com olhos esbugalhados, retira o relógio e entrega para a mulher que está ao seu lado com um ar de impáfia e um olhar vidrado. Em seguida, o homem pede parada e desce. A mulher senta-se em um acento a sua frente, caindo em prantos. Outros passageiros se aproximam e perguntam:

- O que aconteceu?

E ela responde em meio a soluços.

- Aquele homem que desceu, ele me roubou, mas eu peguei meu relógio de volta.

- Nossa como a você é corajosa. – disse uma senhora que estava logo a frente.

- Bem que eu notei que ele tinha algo por baixo da blusa. – comentou o cobrador.

- É mesmo, acho que era um revólver. – um garoto com farda de colégio acrescenta.

- Aí meu Deus e eu estava do lado dele. – reflete ainda abalada a corajosa mulher.

Uma hora mais tarde, a moça chega em casa e narra o ocorrido à sua mãe que logo a repreende.

- Você é louca? Não tem juízo? Eu não criei filha prá ficar dando sopa em ônibus prá marginal. Olhe, eu só tenho você e se você morrer, como eu vou ficar?

- Só, né mamãe!

- Você deixe de me responder. Mal criada. Olhe, onde estão os seus calmantes? Você está precisando

- Na bolsa.

- Essa?

- É.

- Em que parte?

- No primeiro bolso.

- Esse?

- É.

- Minha filha!

- Diga, mãe?

- Você colocou seu relógio devolta na bolsa?

- Não mamãe, está aqui no meu pulso.

- Então de quem é esse relógio que tá aqui dentro da sua bolsa?

- Mamãe, é meu, digo, é o meu relógio. Nossa mamãe! É igualzinho ao meu.

- Minha filha, se esse relógio que está aqui é seu, esse que você está usando ...

- ... mamãe eu roubei o moço!