O Golpe

O Golpe







No dia do golpe, alguém vai para a UTI, outro alguém vai tocar piano pro delegado. As meninas vão vestir vermelho e um funcionário safado gritará até os estourar os pulmões: Lula, você é meu ídolo. Aquela matrona descolada, dita esquerdopata, desfila na Globo, a voz rouca de tanta blasfêmia irá dizer que não existe bolivarianismo. Que isso é babaquice de gente ignorante. Vão subir a rampa de joelhos, de mãos dadas. Vão cantar o hino de Cuba, lá não existem zelites, apenas a ditadura mais longa que se tem notícia com um lastro de cadáveres superior aos moribundos de Napoleão que, quando acusado pelo rei da Itália de guerrear pelo dinheiro, forneceu a seguinte resposta: cada um luta pelo que não tem.

Pelo que lutam os golpistas? São contra os ricos. Deus te livre de ter um carrinho meia boca, uma casinha na praia, uma tenda de comércio. Uma ambição. Detestam empreendimentos, negócios, responsabilidades, folhas de pagamento, lanchas, carros, motocicletas, shoppings, consumo, filme americano, sapatos engraxados e guardanapos de linho, tecnologia, eletrônicos, roupas de grife, se vestem de monges, os golpistas, os adoradores de Che, todos sem exceção vivem em galpões redigindo diatribes, cultuando pelos faciais, comendo lentilhas em terrinas e esperando um alô de seu mentor, outro asceta que fez voto de pobreza e vive num hotel 7 estrelas falando em 7 telefones ao mesmo tempo. Estaria fazendo o que, esse astro? Elaborando a cura do H1N1, decerto. Ou esfolando a mente para encontrar uma saída para o déficit público.

No dia do golpe personagem e trama vão se tornar o ovo e a galinha. Aristóteles deu a esse imbróglio uma solução radical. Ele disse: trama é personagem. Esqueça o que perambula pela cabeça dos homens. Julgue-os por suas ações.

Que ações tem os golpistas? Destruir criteriosamente o que é bom, o que é belo, produtivo, instrutivo, histórico, familiar, higiênico, multidimensional, policultural, organizacional, meritório, honrado, asseado, qual o que, urram eles, vamos afundar uma nação inteira com uma cacetada certeira pois nossa visão conhece apenas Che, Cuba, e talvez a Venezuela. Talvez. Nenhum deles mora lá.

No dia do golpe você pensa que terá forças, que terá com quem contar, e os golpistas, esses canalhas disfarçados de gente que até poesia rota ensejam em sítios de literatura com suas bandeirolas de duas faces - uma faz apologia a uma floresta de eucaliptos, só eucaliptos, não pode ter nenhuma outra árvore. A outra face assassina. E em reuniões secretas aplaudem de pé os assassinatos cometidos.

"A verdade e a sinceridade tem certo brilho natural impossível de ser
falsificado, são como a chama e o fogo, não podem ser pintados". Reflexão de um dos autores da mais longa democracia registrada pela história moderna.

Pessoas cometem erros, isso é fato. Todas elas. Que dure um mês ou um ano, que seja. Mas 15, 20, 30 anos de duração, já não se trata de erro.

O Brasil luta contra esse golpe há mais tempo do que seria presumível conceber. É como uma espécie de vício fatal.

O perfil dos golpistas é linear como um pântano - pedófilos travestidos de doutrinadores, estupradores de mentes, amantes da miséria alheia, necessitam dela feito vampiros, devotos da revolta, promotores da inveja, sacerdotes da morte. Nada prospera com eles. Haja visto.

No dia do golpe o feirante fechará sua barraca. Senhoras evitarão cabeleireiros. Nem pense numa sessão de carteado no clube, banho de piscina ou passeio na praça.

Você estará, talvez, lembrando de uma paisagem que fugiu, distraído com um ideal passageiro, o golpista virá por trás, golpeando-o na nuca. Quando der por si vai sentir sua camisa umedecida por um líquido mal cheiroso.

O golpista, então, acenderá um fósforo.


(Imagem: Figura extraída do Takeuchi Seihō’s Album of the Twelve Signs of the Zodiac - Japão,  1905-06)
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 16/04/2016
Reeditado em 26/06/2020
Código do texto: T5606618
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