Whispering me away
Ela acreditava em demônios.
Não era algo que pudesse dizer em voz alta, contar para alguém estava fora de cogitação. Diversas vezes, pesara as consequências: ser taxada de louca, acharem que se trata de um eufemismo ou atrair fanáticos que pediriam seu testemunho em um domingo a noite. Nada disso atraía a sua atenção, apenas reafirmava o que já tinha em mente. O silêncio, como sempre, era seu melhor amigo.
Contudo, isso não mudava o fato de que ela sabia sobre eles, sabia de sua existência e conseguia senti-los tão bem que, por vezes, arrepios lhe subiam pela espinha, embrulhando o estômago e deixando um gosto amargo na boca. Parecia ter um sexto sentido para isso, como se algo nela os atraísse; ao mesmo tempo, tinha a vaga sensação de que as pessoas a viam como uma espécie de tábua de salvação, um porto seguro em meio a uma terrível tempestade.
Porque, diferente do que as pessoas pensam, os demônios não querem corromper as pessoas e possuir seus corpos. Eles estão dentro de nós, de cada um, arranhando com suas garras finas invisíveis, falando com sua voz aveludada de luxúria, sussurrando estratagemas incrivelmente atrativas, desejáveis.
Talvez por isso tivesse tanto medo de se relacionar. Essa sensação, esse sexto sentido, não era algo que pudesse desligar e, também, não funcionava com todos ou o tempo todo. Sua ausência era tão ruim quanto sua presença – estava tão habituada com essa sensação nauseante que, quando não a tinha, sentia-se levemente incomodada, como se algo faltasse. Afinal, se cada um de nós tem seus próprios demônios, seria possível conhecer alguém que fosse tão forte ao ponto de ter aniquilado ou silenciado com eficácia os seus, ou era algo novo, muito mais sinistro, que se escondia nas profundezas de sua essência? As vezes pensava tanto sobre isso que uma forte dor de cabeça lhe abatia, precisava se acostumar a ser um pouco mais relaxada, a aceitar mais e pesar menos.
Muito disso, contudo, se devia ao fato de conhecer seus indesejáveis inquilinos. Eram muitos, e muito fortes, arredios e ardilosos, estavam sempre prontos a fincar seus dentes bem fundo na carne. Seu grito de dor em resposta seria, nos bons dias, irritação. Nos dias ruins – aqueles em que nem gostava de pensar -, seu grito se transformaria em uma fúria cega em que os desejos deles seriam atendidos.
Ela acreditava em demônios.
E, nesse exato momento, é capaz de ouvir o sussurro deles ao pé do ouvido.