DIVAGAÇÕES NA TARDE
09/07/2010
A tarde de hoje, por alguma razão que não se explica, está silenciosa.
Cá onde me encontro , em meu local de trabalho, a mesa proxima à janela cede aos melindres deste sol de julho.
Ele vai aquecendo com parcimonia , insinuando de quando em quando alguns bafejos de agosto, e nesta sua morna trajetória arrasta o ar de uma doce pureza.
A invasão deste forasteiro acaba me deixando quase sem ação. Espreguiço-me ante a sua presença , estendo os braços e com os dedos entrelaçados acima da altura da cabeça , desavergonhadamente dou uma bocejada.
E minha produção cai vertiginosamente.
Como sou patrão de mim mesmo , cobrar-me-ei futuramente um rendimento eficaz , ainda que lampejos traiçoeiros deste invasor tentem , uma vez mais, sabotar meu desempenho.
Evinha , pelo rádio, diz na canção dos anos 60:
"Eu vou voltar aos velhos tempos de mim//Vestir de novo meu casaco marrom”.
Coincidentemente visto um pulouver marrom
( velhinho! ) mas aconchegante.
No quintal de meu vizinho , que é mineiro e fala "bom dimais da conta", o que soa um pouco estranho à quem está acostumado a falar:"kapazzz , rapazzz , tanto fazzz...", um galo canta.
Sim, ainda que pareça estranho para a atualidade, o mineiro cria galinhas em seu quintal.
E aquela cantiga , tão nostálgica quanto a tarde de hoje , faz-me voltar aos velhos tempos de mim.
Então , retomo os terreiros da casa de seu José Gomes (vovô José) num tempo de carroças.
A parelha de cavalos , Vermelho e Petiço, muito bem cuidada , esperando pacientemente pelo solene condutor que surgia em terno de linho, gravatas combinando com camisas , e os poucos fios de cabelo besuntados a uma generosa camada de brilhantina.(Aquele cheiro, que reunia todos os jardins que já conheci, ficou eternizado em minha memória olfativa)
Alinhadíssimo, vovô acumulava na mesma pessoa uma dosagem de sonhador, boêmio e contraventor (promovia brigas de galo).
Um violão debaixo do braço, que dedilhava muito bem, vó Izaura dando-lhe escovadelas pelo paletó sonorizadas à rosarios de recomendações.
Tão somente ouvidas, jamais acatadas.
Um refrão bailando nos lábios do velhinho que imaginava-se um Francisco Alves, no mínimo.
"Oh! Linda imagem de mulher que me seduz!"
Vovó balançava a cabeça, estampava o sorrisinho maroto da sedutora e eu, fedelho, ajudando a carregar caixotes de galos briguentos com destino aos mortais combates.
Atrás das pereiras, na casa ao lado, lambrequins bordavam cumeeiras e na varanda aproximavam-se à cabeça do polaco Winharski, amigo inseparável de vovô, acenando pela carona.Juntavam-se aí ,o violino do polonês e seus massacrantes palheiros.
Um céu fumarento e a carroça , como que saída das páginas de Monteiro Lobato, ia desbravando caminhos tortuosos pela estradinha de chão.O cetim das mãos de dona Izaura alisava-me os cabelos e aquela ternura ímpar fluída aos domingos fazia-me um procriador de sonhos.
- Queres um cafezinho ? Perguntava-me vovó.
Eu sempre queria. Ao redor da mesa, a generosa fatia de pão caseiro com margarina "Primor", era algo de "primoroso", acompanhando o café na canequinha de ágata verde .
Ah!...Este galo mineiro no quintal do vizinho...Vai cantar assim, dolente, em outras cercanias que hoje estou sentindo-me um gato. Não aquele usado como termo para definir aparência ou beleza física.Mas,um gato, um bichano meesmo!... Até porque alguém já falou um dia: "gatos adoram chamegos". Talvez seja exatamente disso que eu agora esteja precisando.
...E esta tarde escorrendo sob um céu de caqui,delineando a ladeira de pedras que some atrás da igreja...
Até os eucaliptos que a circundam, me parecem hoje ressentidos de costumeiros passantes e eu, aquieto-me aninhado em lembranças.
Ergue-se pela vizinhança, uma fumaça preguiçosa em alguns chaminés.
Rendo-me à esta tarde devassa. Nem frio, nem calor.
Nostalgia, lembranças, vazio...uma quase solidão.
Joel Gomes Teixeira
09/07/2010
A tarde de hoje, por alguma razão que não se explica, está silenciosa.
Cá onde me encontro , em meu local de trabalho, a mesa proxima à janela cede aos melindres deste sol de julho.
Ele vai aquecendo com parcimonia , insinuando de quando em quando alguns bafejos de agosto, e nesta sua morna trajetória arrasta o ar de uma doce pureza.
A invasão deste forasteiro acaba me deixando quase sem ação. Espreguiço-me ante a sua presença , estendo os braços e com os dedos entrelaçados acima da altura da cabeça , desavergonhadamente dou uma bocejada.
E minha produção cai vertiginosamente.
Como sou patrão de mim mesmo , cobrar-me-ei futuramente um rendimento eficaz , ainda que lampejos traiçoeiros deste invasor tentem , uma vez mais, sabotar meu desempenho.
Evinha , pelo rádio, diz na canção dos anos 60:
"Eu vou voltar aos velhos tempos de mim//Vestir de novo meu casaco marrom”.
Coincidentemente visto um pulouver marrom
( velhinho! ) mas aconchegante.
No quintal de meu vizinho , que é mineiro e fala "bom dimais da conta", o que soa um pouco estranho à quem está acostumado a falar:"kapazzz , rapazzz , tanto fazzz...", um galo canta.
Sim, ainda que pareça estranho para a atualidade, o mineiro cria galinhas em seu quintal.
E aquela cantiga , tão nostálgica quanto a tarde de hoje , faz-me voltar aos velhos tempos de mim.
Então , retomo os terreiros da casa de seu José Gomes (vovô José) num tempo de carroças.
A parelha de cavalos , Vermelho e Petiço, muito bem cuidada , esperando pacientemente pelo solene condutor que surgia em terno de linho, gravatas combinando com camisas , e os poucos fios de cabelo besuntados a uma generosa camada de brilhantina.(Aquele cheiro, que reunia todos os jardins que já conheci, ficou eternizado em minha memória olfativa)
Alinhadíssimo, vovô acumulava na mesma pessoa uma dosagem de sonhador, boêmio e contraventor (promovia brigas de galo).
Um violão debaixo do braço, que dedilhava muito bem, vó Izaura dando-lhe escovadelas pelo paletó sonorizadas à rosarios de recomendações.
Tão somente ouvidas, jamais acatadas.
Um refrão bailando nos lábios do velhinho que imaginava-se um Francisco Alves, no mínimo.
"Oh! Linda imagem de mulher que me seduz!"
Vovó balançava a cabeça, estampava o sorrisinho maroto da sedutora e eu, fedelho, ajudando a carregar caixotes de galos briguentos com destino aos mortais combates.
Atrás das pereiras, na casa ao lado, lambrequins bordavam cumeeiras e na varanda aproximavam-se à cabeça do polaco Winharski, amigo inseparável de vovô, acenando pela carona.Juntavam-se aí ,o violino do polonês e seus massacrantes palheiros.
Um céu fumarento e a carroça , como que saída das páginas de Monteiro Lobato, ia desbravando caminhos tortuosos pela estradinha de chão.O cetim das mãos de dona Izaura alisava-me os cabelos e aquela ternura ímpar fluída aos domingos fazia-me um procriador de sonhos.
- Queres um cafezinho ? Perguntava-me vovó.
Eu sempre queria. Ao redor da mesa, a generosa fatia de pão caseiro com margarina "Primor", era algo de "primoroso", acompanhando o café na canequinha de ágata verde .
Ah!...Este galo mineiro no quintal do vizinho...Vai cantar assim, dolente, em outras cercanias que hoje estou sentindo-me um gato. Não aquele usado como termo para definir aparência ou beleza física.Mas,um gato, um bichano meesmo!... Até porque alguém já falou um dia: "gatos adoram chamegos". Talvez seja exatamente disso que eu agora esteja precisando.
...E esta tarde escorrendo sob um céu de caqui,delineando a ladeira de pedras que some atrás da igreja...
Até os eucaliptos que a circundam, me parecem hoje ressentidos de costumeiros passantes e eu, aquieto-me aninhado em lembranças.
Ergue-se pela vizinhança, uma fumaça preguiçosa em alguns chaminés.
Rendo-me à esta tarde devassa. Nem frio, nem calor.
Nostalgia, lembranças, vazio...uma quase solidão.
Joel Gomes Teixeira