Assim ou...nem tanto 40
Como pedra
As palavras aconteciam como uma enxurrada que nascesse, feroz, de uma qualquer distância, da altura desesperada do desacerto, da ausência. Antes de bater a fúria no meu coração já eu me fechara numa noite tão densa que o negro se materializava para me isolar, me esconder, para ser o lugar onde, quem sofre, desaparece aos olhos da alegria. Foi assim que, sem ti, espessei a pele e esqueci antigos céus. Nos primeiros dias ainda o sol ardia sob a casca de silêncio que guardava o meu corpo mas depois a pedra invadiu tudo o que sobrara de um poeta destroçado, de um homem vazio, inútil e fiquei, a meio da encosta, como mais um pedregulho no caminho das lágrimas. Ouvi muitas vezes as maldições, os impropérios, o raspar da raiva a sacudir o teu peito. Vi a saliva da tua boca correr com a força do veneno mais letal para operar a minha destruição e fiquei, mudo e exilado, na imobilidade. E quis morrer de saudade. E quis mudar tudo para o passado, recomeçar na tua fonte de beijos, afagar-te com a leveza de um sopro, deslizar em ti como uma gaivota no azul e ser, depois, o canto da terra quando, unidos, éramos um só rio, uma única vontade, o mesmo fogo a tomar tudo o que em nós havia para arder. Mas é muito tarde. Sangro por dentro deste granito e vou ficar assim até que voltes, como desencanto, pó e solidão, ao lugar do erro. Se não puder amar-te nesta vida, inteiro me guardarei para ti na outra.