GAVETAS ABERTAS
As lembranças da infância me trazem, oh vida, doce sabor duradouro dos dias que valeram!
Abrindo as gavetas da memória e do coração, encontro quadros inesquecíveis, vestígios pueris como peças dobradas, que aos poucos se desprendem e se avivam; gavetas perfumadas, profundas, tão claras, que agora se destrancam pelas chaves da recordação:
Onde ficaram minhas cantigas de roda, o rodopio alucinado de mãos dadas entre euforias e risadas? Oh, tenra infância! Seu cheiro ainda sinto, pois são eternos, selados, impressos e bem visíveis dentro de minh'alma!
A cadeira de balanço da vovó, era o meu prazer preferido; os balanços na rede, que pareciam alcançar o céu; as escaladas nas mangueiras e goiabeiras... eram pedaços de mim. Muitas caçadas nos quintais das lembranças, possuem sutis detalhes dos primeiros anos vividos.
Eu não brincava de brincar, mas... de verdade, embalando as bonecas nos braços e brincando de casinha. E as historinhas que a mamãe contava? Ah! Acho que eu nem diferenciava o real da mágica fantasia - apenas me extasiava e dormia.
Há tantos fatos para relembrar nesta doce parada do tempo, os quais, mesmo sem dizer, sorvo com alegre lucidez! Até os arranhões dos gatos nas minhas pernas curiosas - o que me desesperou - me doeram na alma. Recordo ainda, do desvelo dos meus pais quando eu adoecia ; a escuta inocente atrás das portas; as lágrimas ao presenciar a minha boneca de louça quebrada ...
Oh tempo! Eu lhe suplico que não carregue a minha meninice das lembranças, pois para mim, tudo era lindo, o "nada" era tudo e os prantos me lapidaram. O que vi, ouvi e senti, não subiram apenas à minha memória, mas desceram pousando no meu coração!
Os estímulos de amor jamais adormeceram, mas comigo ficaram para o resto da vida.
Neste momento, presumo que hoje ainda possuo alguns traços da feliz criança que um dia fui.