Dia de comemorar . . .
Jairo havia acabado de vencer mais uma grande causa. Com os recursos advindos da vitória dava para pagar as contas de um mês inteiro se não quisesse mais trabalhar. Preferiu comemorar, como de costume.
Ele saiu do seu espaçoso escritório, de quarenta e três metros quadrados, com aquele ar de super-herói, depois da batalha incrível que teve contra o cliente que lhe pagou de uma só vez seus honorários por ter vencido a causa.
Nada naquele dia poderia estragar a noite de Jairo.
Se fosse em outras épocas, quando ainda era casado pela terceira vez, seria mais um fim de dia repleto de tédio, com telejornal, novela, discussões e agressões verbais, seguido de um calmante e uma noite longa de sono bem pesado.
No caminho de casa, ligou para os amigos, ligou para os colegas, ligou para os primos, mas nenhum deles estava disposto a encher a cara em plena terça-feira. E isso era um balde de água fria nos planos de Jairo, que mentalizou a cena do macarrão grudento que fazia todos os dias sozinho em casa, e tomava uma dúzia de cervejas em lata na companhia da programação dos canais abertos da micro-televisão da sala, que sobrou na partilha. A poltrona já tinha até alguns rasgos, mas ninguém o visitava mesmo, depois que a mulher o largou. Então, nem se importava.
Ele estava de saco tão cheio que decidiu entrar na primeira casa de tolerância que aparecesse, e beber até a hora que fechassem a casa no dia seguinte. Deu algumas voltas pelo centro da cidade, fez uma pequena reflexão sobre o que poderiam pensar se o vissem por lá, mas não tinha mais esposa e nem namorada.
Na verdade não tinha mais tolerância para suportar mais um relacionamento frustrado. Essa, aliás, talvez fosse até uma solução para a sua nova fase de solteiro de meia idade. Então decidiu que tinha de ir.
Cambalacho, Cambalacho.... piscava só metade do letreiro queimado. Estacionou o carro. Desceu rapidamente e entrou sem olhar para trás. Fitou a recepcionista que lhe deu um sorriso, e perguntou:
- Onde pego um drink?
- No balcão lá dentro, respondeu a moça que usava um batom vermelho bem acentuado. Vai entrar? Ela completou.
- Ohhh, claro. Jairo replicou, abrindo a outra porta.
Pediu o drink mais forte da casa para o barman, que lembrava muito aquele cantor Reginaldo Rossi, e tomou numa só golada, para quebrar a tensão do ambiente. Enquanto fazia cara feia, fez sinal para o barman completar o copo novamente. Pegou o copo e virou para a sala praticamente fazia.
Havia ele, um outro homem já embriagado sentado no sofá na outra ponta da sala, e duas meninas sentadas no sofá vermelho na lateral da sala, fumando a meia luz.
Elas perceberam a presença de Jairo, quando virou bruscamente no acento giratório e deu mais golada na bebida. As mulheres se entreolharam como se uma pedisse autorização à outra para atender o pretenso cliente, e apenas uma delas se levantou, a que estava de sandália branca, com uma espécie de avental aberto - pensou Jairo, lembrando da Jandira, sua ex-mulher, quando estava cuidando da casa.
Enquanto ela se aproximava, Jairo ficava mais entusiasmado, e já eufórico pelo efeito do álcool, que nem havia chegado ao estomago, vazio o dia todo.
Ela parecia mais jovem quando estava sentada sob o efeito da pouca luz, pensou Jairo, mas ele queria mesmo é se divertir, e pediu para ela sentar para beberem juntos.
A seqüencia de drinks seguiu a lista que servia de cardápio colada no balcão com fita adesiva. Beberam horas seguidas. Ele contou histórias, piadas, falou das suas vitórias, até se exibiu, falou de amor e de decepção amorosa. A Deb, no começo só ouvia, depois, também embriagada, se soltou. Pareciam grandes amigos, daqueles de infância. Confidenciaram-se e trocaram grandes segredos. Acabava um assunto, ele emendava outro, e ela remendava na seqüencia, chegaram até esquecer os propósitos iniciais de cada um.
No dia seguinte, Jairo abriu os olhos, viu o relógio do lado da cama, já era de tarde, mas não tinha de trabalhar cedo naquele dia. A dor de cabeça era tudo que podia pensar naquela hora.
O barulho na cabeça parecia estar em toda casa, dava até impressão de que era uma máquina de lavar. Levantou, passou pela sala, e foi em direção do banheiro. Enquanto lavava o rosto, processou no cérebro as imagens captadas rapidamente da sala. Estava um brinco, não tinha uma lata de cerveja vazia jogada, e tudo estava arrumado, mas não era dia da diarista, pensou Jairo.
Foi até a cozinha e tinha comida pronta nas panelas. Quando olhou para a lavanderia do apartamento, a máquina de lavar de fato estava ligada e Denise – verdadeiro nome de Deb - estava com o avental que Jandira sempre usava. Jairo levou a mão a testa, como se pudesse conter a dor na cabeça, impedir o ruído da máquina e apagar a cena que acabava de presenciar, como se tudo fosse um sonho. Foi quando Deb lhe olhou com um sorriso e disse:
- Amoooor, o almoço está pronto.
Jairo, com aquela ressaca, agradeceu estático sem qualquer outra reação física ou cerebral, apenas com um sorriso bem amarelo, que dava à Jandira já nos últimos anos. Virou-se em câmera lenta e foi de cueca para o quarto. Sentou na cama e chacoalhou a cabeça de um lado para o outro.
Depois do banho rápido, sem nada pensar, pegou a roupa que já estava passada pela Denise em cima da cama sem que ele pedisse, e foi almoçar. Sem dizer uma palavra, passou a comer no silêncio completo, enquanto ela o admirava. Ouvia-se apenas a máquina de lavar ligada, quando a Denise abriu a boca:
- Jajá, eu realmente vou morar aqui com você?
A comida entalou na hora, e ele fez um esforço enorme para lembrar das promessas da noite anterior. Terminou de engolir, e disse à Denise como se casado fosse:
- Eu estou meio atrasado, quando eu chegar a gente conversa.
Saiu, bateu a porta e nem foi para o trabalho, foi direto para o escritório do advogado que já havia feito as suas outras três separações.