RECORDAÇÕES DO IMPEACHMENT DE COLLOR
Tão claro como se fosse ontem. Ele disse que ia convocar os “caras-pintadas” para que inundassem as ruas com o verde e amarelo no rosto em favor dele. O que deu é que apareceu uma multidão de jovens vestindo camisetas pretas e com duas listas pretas pintadas nos rostos. Era unanimidade. Com o Plano Collor, lançado antes ainda da posse, ele bloqueou o dinheiro de toda a nação, desde a poupança da faxineira até o capital de giro das empresas. Embora que injuriada, a população esperou para ver cumprirem-se as promessas do plano apresentado em discurso exaltado, com o dedo agitado em riste, palavras firmes e cenho cerrado. Mas, ao contrário, dois anos depois, após alguns escândalos e o Plano Color II, os salários tinham se reduzido muito, os empregos não mais existiam, a inflação galopava, preços eram remarcados de hora em hora e a gasolina semanalmente. E não é força de expressão. Daí, não deu outra – foi sobrar uma desculpa (a corrupção) e, em 1992, impeachment nele. Só nele. Como disse: “a população estava unânime”.
Observe, porém, a corrupção não foi o motivo; ela foi a desculpa que apareceu (ou foi levantada) na hora oportuna, pois corrupção é mais antiga que a maioria dos eleitores de agora.
Mas, ainda assim, demorou muito para o trabalhador deixar de ser boia-fria - receber vale refeição pago quase integralmente pelo patrão. Só patrão bonzinho dava Cesta básica. Passou mais de uma década até o empregado não mais ter que pagar o transporte para o trabalho do próprio bolso. Muitos anos correram até os assalariados poderem comprar casa própria e morar com dignidade, podendo até ter carro, às vezes zero. Passou-se muito tempo até o filho de pobre poder cursar faculdade pública de graça em vez de os filhos dos ricos, além de fazer cursos profissionalizantes e atualizações de qualidade de graça. Sim, corrupção existia. Só filho de rico cursava faculdade de graça.
Enfim, muito ainda cresceu o abismo entre ricos e pobres até aparecer um governo peitudo ao ponto de forçar distribuição de renda através de vale isso, bolsa aquilo, bônus aquilo outro - dinheiro que circula e desagua no caixa das lojas e supermercados dos pequenos e grandes empresários, alimentando a economia.
Mas, enfim, por um tempo tivemos esse governo também para pobres, mas que no início “sentou no colo” dos endinheirados para poder governar em paz. Sim. Porque os endinheirados é que mandam no país. Ou melhor, nos países.
Mas isso (governo também para pobre) não é uma boa, pois pobre estudando e fazendo faculdade vai ficando mal acostumado e começa a pensar que compõe a sociedade. E, depois, quem vai aceitar ganhar salário de fome no futuro, ser empregada doméstica das donzelas patroas sem direitos trabalhistas?
Então, repentinamente apareceu a corrupção. Ou teria aparecido no momento oportuno? Não sei. A verdade é que os endinheirados controladores da economia aceitaram o governo popular bastante contrariados e foram ficando cada vez mais insatisfeito à medida que a vontade do povo ia prevalecendo nas urnas. Eu mesmo escrevi sobre essa indignação futura lá em 2003 e 2004. Então começou a aparecer a corrupção. E...?
Talvez voltemos ao que era antes de Collor. Mas, daí, pra saber como era, só consultando os livros de história.
Wilson do Amaral
Escritor e estudante de história