Fabricação do Herói

 
Abril abriu a memória da gente.
Quando se chega abril sempre se abre estas coisas que a escola inculcou fazendo o coração... ops! ...a memória guardar.

A escola recalca, igual um decalque, que se cola em folha de papel. Quem viveu a década de sessenta se lembra destes adesivos que serviam até de decoração. Minha tia que morava em uma fazenda-fábrica de laticínio decorava seu banheiro de azulejos brancos com decalques de pássaros, rosas e todos os motivos que quebrassem a fria monotonia daquele branco.
 
Mas não quero falar de azulejos, minha tia ou decalque. Quero falar do recalque que a escola inculcou na gente com o advento da República.

Quero pensar na raiz desta forma de governo que foi a Inconfidência ou Conjuração Mineira. Poderia ter sido a Conjuração Baiana,  a do Rio de Janeiro ou até a Insurreição Pernambucana. Todas estas, porém, não tinham a matriz elitista que os republicanos precisavam como aquele movimento das Minas Gerais. Se tivesse estava muito miscigenado  aborrecendo  o elitismo que se pretendia dar ao Brasil que se queria criar.
 
No movimento mineiro havia apenas aquele falastrão que por ser um simples alferes foi tomado como o herói pintado, produzido, reconstruído à moda do Positivismo como se pretendia a fabricação do heroísmo. Sua estampa que a república produziu o comparava até ao mártir do cristianismo: barbudo, túnica branca e, em vez de uma cruz, uma corda no pescoço; em vez de crucificado, um corpo esquartejado como nos deu o quadro de Pedro Américo.
 
A república pintou Tiradentes assim. Ela precisava de um herói branco, humilde e humilhado publicamente, reconstruído à moda do cristianismo, pintado segundo os princípios de Auguste Comte e como ensinava Benjamin  Constant nas escolas militares do Brasil.
 
E se a República nos deu Tiradentes como figura de herói brasileiro, Benjamin Constante nos deu os militares que atuariam no Brasil quer no Tenentismo ou na Ditadura.

E assim é a escola que forma, deforma, informa e nos põe na fôrma. E lá no fundo de nosso atavismo memorial está o Positivismo querendo que a gente acredite que a “ordem e o progresso”  só são possíveis com a existência dos “salvadores da pátria”.

Mas herói mesmo é o povo que à parte de todo devaneio ideológico vive, sobrevive, inventa e se reinventa. Para isto é importante a leitura e a releitura de linhas e o que está nas entrelinhas da escola, dos meios de comunicação e nas ideologias de todo movimento político...  Senão o povo assistirá bestializado a reconstrução da República Brasileira.

É bem oportuno o poema:
 
PERGUNTAS DE UM TRABALHADOR QUE LÊ

Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis:
Arrastaram eles os blocos de pedra?
E a Babilônia várias vezes destruída
Quem a reconstruiu tantas vezes?
Em que casas da Lima dourada moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros, na noite em que a Muralha da China ficou pronta?
A grande Roma está cheia de arcos do triunfo:
Quem os ergueu?
Sobre quem triunfaram os Césares?
A decantada Bizâncio
Tinha somente palácios para os seus habitantes?
Mesmo na lendária Atlântida
Os que se afogavam
gritaram por seus escravos
Na noite em que o mar a tragou?
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César bateu os gauleses.
Não levava sequer um cozinheiro?
Filipe da Espanha chorou,
quando sua Armada naufragou.
Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu além dele?
Cada página uma vitória.
Quem cozinhava o banquete?
A cada dez anos um grande Homem.
Quem pagava a conta?
Tantas histórias.
Tantas questões.


Bertolt Brecht (Augsburg, 10 de Fevereiro de 1898 — Berlim, 14 de Agosto de 1956)
 
 
Leonardo Lisbôa,
Barbacena, 08/04/2016
 

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Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 08/04/2016
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