PRÉ-CONCEITOS

Sempre que vou pegar o ônibus na região onde moro, vejo uma senhora, aparentemente na faixa dos cinquenta anos, que tem um comportamento peculiar: fala, gesticula, aponta para uma direção, como se mostrasse algo a alguém. O estranho, pelo menos para nós, ditos “normais”, é que não há ninguém junto dela. Não se trata de uma indigente, uma andarilha ou algo assim, pois aparenta boa higiene e anda sempre com um celular na mão. Não sei qual seu distúrbio psicológico, o fato é que ela vê pessoas que os outros não vêem e fala com eles (nem sempre a entendem, pois às vezes ela xinga seu interlocutor invisível).

O que me leva a pensar nos julgamentos que nós fazemos das pessoas, nossos pré-conceitos (assim mesmo, pois sempre conceituamos as pessoas antes de conhecê-las). Eu mesmo já fui chamado de “autista” só por que preferia me isolar com meu livro no intervalo de almoço no trabalho. E isso por uma pessoa que tinha anos de experiência no trato com alunos especiais. Enfim, não guardo rancor, não atrapalhou minha trajetória, embora eu tenha me demitido do emprego em seguida.

Eu falo sozinho, mas só quando estou sozinho. Pesquisei sobre o assunto e não estou doido, graças a Deus. É uma maneira de nos concentrarmos, de refletirmos sobre coisas que aconteceram, sobre objetos que perdemos. Muitas vezes a solução surge desses auto-diálogos e nos acalmamos. No mais, me contenho, sou uma das pessoas (aparentemente) mais equilibradas e calmas do mundo (dentro do meu porão-barriga tenho toneladas de fúria prontas a explodir, como diria aquele personagem do livro Garota Exemplar).

Esse é o padrão de comportamento da maioria. No trabalho, nos relacionamentos mais triviais, somos quase controlados, quase educados. É entre quatro paredes que nossa verdadeira personalidade aparece e só quem convive conosco mais intimamente conhece nosso lado Mr. Hyde. Há exceções, é claro: basta assistir um episódio do Big Brother, uma Sessão do Senado ou da Câmara para ver o pior do ser humano ao vivo e em cores.

Somos quase controlados, quase educados, para que a humanidade não conheça nossas manhas e birras, nosso lado egoísta e vingativo. Mas sempre estamos aptos para pré-conceituar os que nos rodeiam.