Henrique Ricardo contra o Monstro Vermelho
Numa lan house qualquer ou num quarto bagunçado na frente de um PC, reuniram-se nossos heróis da pátria. Vestido com a camisa verde amarela, ostentando discretamente o brasão da CBF, nossos bravos cidadãos de Brasil estavam pensando em que fazer para livrar de vez o país dos petralhas.
Tentaram eleger alguns deuses para que os salvassem da crise. Não havia mais disney, viagens internacionais ou notebook baratos comprados em dólar. Pela primeira vez Henrique Ricardo viu seu pai com um carro de 2 anos de compra. A mãe havia cortado o Spa e a empregada foi substituída por uma diarista, que lhe arrumava o quarto 2 vezes por semana.
Sim, a crise havia chegado nas portas do quarto de Henrique Ricardo. Resolveu, indignado, mudar o país. Começou a teclar e teclar, até que encontrou outros pobres como ele, que o encaminhou para a palavra da Salvação. Encheu a cabeça de Olavo de Carvalho, Reinaldo Azevedo e Bolsonaro.
Com a mente calibrada resolveu ir para as ruas. Fechou avenidas. Marchou ao lado de Patos infláveis gigantes e tirou foto com a tropa de choque. Embriagado de democracia, pediu intervenção militar. Gritou contra o golpe comunista em curso e pediu impeachment de uma presidente democraticamente eleita.
Henrique Ricardo estava cansado da violência. Pedia pena de morte e defendia a tortura no regime militar. Cansado da falta de liberdade de expressão, ligou no Jornal Nacional onde viu com ampla cobertura a multidão que queria salvar o país da corrupção.
Henrique Ricardo estava cansado das cotas e do Bolsa Família, que para ele serviam para sustentar vagabundos. Estava cansado de não receber mais do pai a mesada de mil reais mais o cartão de crédito. Culpa do PT.
Henrique Ricardo e seus amigos pobres, cujos os pais cancelaram seus cartões de crédito, resolveram partir para cima dos corruptos. Ofendendo pessoas contrárias às suas posições, chamando de feia a presidente e entupindo os fóruns virtuais com seus democráticos argumentos disfarçados de palavrões, ameaças e intolerância.
Nossos herois se viram em apuros. Uma multidão de mortadelas, camisas vermelhas, gente parda e de origem pobre, pedindo a manutenção do governo e das conquistas sociais. Achavam que destruindo Lula e Dilma salvariam seu mundo no apartamento 304 próximo a estação de metro. Achavam que destruindo um partido poderiam novamente passar uns dias merecidos em Ibiza.
Viram que teriam que destruir um povo. Piraram! Mas antes disto precisavam atacar todos que defendessem o povo. Queriam impeachment de todos. Queriam o impeachment de Nossa Senhora se preciso. Queriam os tanques sobre o povo, queriam as armas para a nossa defesa apontadas para o povo, para que eles retornem às suas casas e aos seus trabalhos.
Queria que torturassem os filhos do povo, para que se recolhessem a sua insignificância. Queriam mesmo, com todo este tumulto e distúrbio social, voltar a trocar de carro e brincar de viver. O mundo era o seu playground e a grana o passaporte.
Os meninos e meninas protegidos do mundo, protegidos da fria igualdade, que não acreditam em direitos e democracia, mas em privilégios e meritocracia, queriam salvar o Brasil.